DR. JEKYLL OU MR. HYDE? QUEM VOC QUANDO EST COM RAIVA?
Wesley Gimenez.
RESUMO:
Este artigo reflete sobre o poder das emoes, notadamente a raiva, sobre a capacidade de raciocnio e tomada de deciso. O impacto do descontrole emocional dentro de uma situao de risco e como isso afeta a defesa prpria e a de terceiros. Controlar suas emoes est no topo das prioridades em uma situao limite, no entanto, no algo simples de se fazer. Controlar a raiva e direcion-la para algo construtivo exige inteligncia e treinamento. No se pode ser ?iludido? com relao nossa capacidade de autocontrole, contudo, quanto mais forte em minha mentalidade, menos o ?monstro? dentro de mim se revela.
Palavras-chave: Violncia. Legtima defesa. Preveno. Segurana. Crime.
Em 1886, o autor escocs Robert Louis Stevenson publicava o livro Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, que se tornara um sucesso imediato e um dos maiores sucessos do autor, muito conhecido no Brasil por outro livro clssico: A ilha do tesouro. O livro de Stevenson conta a histria de Utterson, advogado e amigo do gentil Dr. Jekyll. Contudo, estranhamente, h um clima de mistrio a respeito da relao entre o Dr. Jekyll e um tal de ??Mr, Hyde? que deixa Utterson intrigado.
Este estudo no se trata de uma resenha do livro, a que remeto o leitor, e sim, discusso sobre a potencialidade do risco no descontrole das emoes. Jekyll e Hyde so a mesma pessoa. O lado ?bom? e o lado ?mal? de um nico ser. Jekyll o emrito professor, membro distinto e civilizado da sociedade, com sua tica e limites morais, j Hyde o perverso, o amoral, o incivilizado, a fera humana sem controles ou limites.
Stevenson foi o precursor, ao lado de Frankenstein, de Mary Shelley, do gnero de fico cientfica[1]. A ideia, muito explorada no cinema e teatro, da dualidade presente no ser humano, explorada inclusive pela psicanlise de Freud[2], e presente no adgio popular ?de mdico e louco, todo mundo tem um pouco? deve muito Stevenson.
A natureza humana permeada de emoes conflitantes, medo e coragem, raiva e apatia, amor e dio, paixo e desprezo. Um ?nivelamento? total das emoes formaria um ser robtico e no um ser humano. Portanto, ilusrio dizer que o ?controle? sobre a emoo existe a seu nvel mximo. Contudo, seu inverso, o descontrole emocional to prejudicial e indesejvel quanto no ter emoo alguma.
No crebro, h uma amgdala, pertencente ao sistema lmbico que um grande regulador de comportamentos. O estmulo gerado pela raiva, faz a amgdala ativar uma regio do crebro denominada hipotlamo que liga nosso Sistema Nervoso ao centro de regulao de hormnios, o sistema endcrino. No resumo da histria, so secretadas, em decorrncia da ativao de glndulas supra-renais uma quantidade enorme de cortisol, adrenalina e noradrenalina (hormnios do stress)[3].
Toda essa descarga de hormnios estressores, diminui a carga de serotonina (hormnio da felicidade), da, o sentimento de frustrao, dor e raiva se intensificam pela falta desse hormnio, o que, aliado ao excesso de cortisol faz com que haja uma diminuio na memria de curto prazo, menor fluxo de sangue para o crebro, e uma diminuio na capacidade de julgamento, de onde vem as chamadas ?burradas?.
O controle dessa descarga hormonal (e emocional) leva pelo menos 2 segundos (o que no pouco tempo tratando-se do crebro) para ser controlada, ou redireciona. Assim, o ?contar at 10? vlido no tocante raiva.
Sentir raiva algo extremamente normal. Inclusive, necessrio para que tenhamos mpeto para a realizao de tarefas que garantem a nossa sobrevivncia. A questo est na dose e no direcionamento. O ?quanto? eu sinto raiva e em que direo eu manifesto esse sentimento. Ao sentir raiva, o ato de sufoc-la nos deixa doentes, podendo gerar depresso e ansiedade[4], porm, experimentar e alimentar tal sentimento aumenta em 14 vezes a chance de um derrame segundo algumas pesquisas[5]. Onde est o ?caminho do meio??. Eu respondo: No direcionamento.
No romance de Stevenson, Mr. Hyde era a verso animalesca do Dr. Jekyll. Era sua raiva, suprimida e extravasada em forma de seu ?duplo?, ou, como Freud explicaria[6], pelo seu ?Id? ou ?Isso?, a parte amoral, bestial, ou o que a Bblia chamaria de ?Homem Natural[7]?, concebido na teologia como ?natureza pecaminosa?[8]. Enfim, Mr. Hyde a personificao do ser humano sem os freios sociais, morais e culturais, a verso de ns que quer matar, destruir e sentir prazer sem qualquer restrio.
Psicanlise, Bblia e Teologia tentam explicar ou compor nestas descries o quanto o ser humano pode ser bom ou mal, a depender de suas escolhas. Todos os dias enfrentamos lutas externas, mas tambm internas, para manter o nosso ?Hyde? sobre controle. isso que garante a civilizao, o arranjo social ainda vigente, o que impede a total anarquia e destruio da raa humana por ela mesma.
por isso que as maiores batalhas no so vencidas pelo corpo e atravs do corpo, mas pela mente e atravs da mente. Nos ltimos anos, analisando milhares de vdeos e lidando dia a dia com a arte marcial mais letal do mundo, tenho observado o quanto h uma necessidade de enfoque em uma mentalidade preparada para direcionar a raiva, frustrao e dor para algo que nos faa crescer e nos desenvolver, evitando o dualismo do Hyde/Jekyll, mas sendo capaz de usar a fora de Hyde e a inteligncia de Jekyll sem deixar que o descontrole emocional afete para sempre nossas vidas e rotinas.
Bem disse o sbio Aristteles[9]: ?Qualquer um pode zangar-se - isso fcil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa - no fcil?. Freud dizia que o nico modo de, em suma, mantermos nosso Hyde sobre controle, o domnio dos instintos pela inteligncia[10]. Da se percebe que, manter as emoes dentro de um controle mnimo requer um esforo gigantesco.
O que fazer, ento?
O primeiro passo ter domnio de seu corpo. Isso significa que, se voc no tem a capacidade de dizer quando e o quanto pode beber, comer ou se exercitar, voc j comea em desvantagem, ?Hyde? mais forte em voc do que se imagina. Disciplina no s uma habilidade socioemocional capaz de te levar ao sucesso, mas tambm um recurso que te auxilia no controle de seus prprios impulsos negativos e potencializa aquilo que voc possui de habilidade para o desenvolvimento pessoal.
O segundo passo ser mais inteligente. Como observamos nas menes Freud e psicanlise, o consciente, ao ser fortalecido, torna o inconsciente uma rea sobre um mnimo de controle. No era pelo fato de ser um ?Doutor? que Jekyll venceria Hyde (at porque, no livro, ele no o venceu), mas a inteligncia prov uma forma cada vez mais consciente acerca de seus limites, permitindo que no se cruze ?a linha? que ainda separa o ?Jekyll? dentro de ns, do ?Hyde? que luta para sair. Como j reproduz os novos filmes Marvel, o ?Huck/Hyde? no est mais to burro, e assim, tambm no est mais to fora de controle (O que chato, no filme, diga-se de passagem).
O terceiro passo a direo para a qual voc destina toda a supresso desta raiva suprimida. Lembremo-nos que a supresso dos sentimentos tambm nos faz adoecer. preciso que haja uma ?vlvula de escape?. Jekyll fez uma poo, uma bebida que separava sua conscincia para usar Hyde, no entanto, Hyde sempre vai querer a primazia e o fim trgico. Dessa forma, ao invs de manter a luta interna, utilize o ?Huck? dentro de voc para um propsito inteligente. Artes Marciais so um modo de diminuir a agressividade das crianas, e acredite, tambm a de adultos.
Quem j passou alguns minutos ?espancando? o saco de pancada sabe como isso ?teraputico?. Por vezes, dentro de um tatame, extenuando o corpo que a mente encontra seu descanso e controle. O Hyde e o Jekyll dentro de voc se apaziguam. Direcione sua raiva para reforar suas potencialidades. Torne-se algum mais inteligente e capaz de direcionar seus impulsos para algo construtivo.
Embora paream conselhos de ?auto-ajuda?, na verdade, so concluses geradas pela experincia. Quando uma situao limite estiver sua frente, voc precisa mais de Hyde do que de Jekyll, contudo, se o seu ?Monstro? no estiver sobre controle, o maior prejudicado ser voc.
Este artigo discutiu os efeitos da raiva e o controle das emoes. Percebemos que a raiva um sentimento normal, contudo, tanto ao ser suprimida quanto ao se manifesta, geram dificuldades enormes para cada pessoa que est sob sua influncia.
Diversas vidas j foram arruinadas por causa de segundos de raiva, de emoes sem controle. Contudo, imaginar que podemos moldar nossas emoes a nosso bel-prazer uma iluso, e no tem espao nem mesmo nos debates cientficos. Autores, atores e roteiristas exploram a temtica do bem e do mal dentro de cada ser humano, tanto em obras literrias quanto no cinema.
Disciplina, Inteligncia e Direcionamento so algumas formas de se potencializar habilidades de controle em detrimento a descontrole emocional prejudicial. Nem sempre deixar o ?Huck? dentro de voc sair um pouco algo ruim, contudo, preciso saber quando trazer ele de volta, manter a conscincia e sobretudo a inteligncia em cada ao.
A raiva pode ser algo bom ou ruim, o que vai diferenciar o alvo, a quantidade e capacidade de controle de quem se deixa tomar por esse sentimento. No fcil ser inteligente em momentos de adrenalina e cortisol em alta, contudo, treino isso, transformar, pela assimilao e contnua repetio, algo difcil em algo fcil. Essa a beleza da natureza humana, ela capaz de transformar tudo, inclusive a si mesma. Shalom!
REFERNCIAS
ANDRADE, Pedro Paulo de Lima. Dr. Jekyll e Mr. Hyde em anlise segundo a teoria psicanaltica. 08.Ago.2011. Disponvel em: <https://www.psicologia.pt/artigos/ver_opiniao.php?codigo=AOP0283> Acesso em 22.Set.2021.
ARISTTELES. O pensador. Online. Disponvel em: <https://www.pensador.com/frase/Mjk2MzA/> Acesso em 21.Set.2021.
BIBLIA SAGRADA. Corntios. Traduo de Joo Ferreira Almeida. Rio de Janeiro: King Cross Publicaes, 2008. 1110 p. Velho Testamento e Novo Testamento.
FALCO, Samuel. A Doutrina do Pecado Original e da Depravao Total. 16.Set.2011. Disponvel em: <http://www.escolacharlesspurgeon.com.br/nav/pregacoes/texto.cshtml?categoria=pastorais&id=76> Acesso em 21.Set.2021.
INFINITY PHARMA. O que acontece com o seu corpo quando voc sente raiva? 24.Jan.2020. Disponvel em: <https://infinitypharma.com.br/o-que-acontece-quando-voce-sente-raiva/> Acesso em 22.Set.2021.
PESQUISA FAPESP. O impacto da raiva sobre o crebro. Cincia. Jan.2005. p.34-35. Disponvel em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2005/01/034-035-tecnociencia-mundo3.pdf> Acesso em 22.Set.2021.
SUPPIA, Alfredo Luiz. O mdico e o monstro: h 120 anos, uma histria inspiradora. Cincia e Cultura, v. 57, n. 4, p. 56-57, 2005.
TOLEDO, Luiza. A neurocincia da raiva: por que sentimos raiva? 21.Mar.2018. Disponvel em: <http://www.cienciaexplica.com.br/2018/03/21/a-neurociencia-da-raiva-porque-sentimos-raiva/> Acesso em 22.Set.2021.
[1] SUPPIA, 2005.
[2] ANDRADE, 2011.
[3] TOLEDO, 2018.
[4] INFINITY PHARMA, 2020.
[5] PESQUISA FAPESP, 2005.
[6] ANDRADE, 2011.
[7]BBLIA, I Corntios, 2 e 3.
[8] FALCO, 2011.
[9] ARISTTELES, O pensador, online.