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Entre Lobos e Cães Pastores: A Vulnerabilidade do Cidadão


Wesley Gimenez

 


RESUMO

Este artigo oferece uma reflexão pontual em forma de pesquisa bibliográfica e descritiva acerca da vulnerabilidade do cidadão diante da violência urbana. O objetivo geral deste ensaio é: Descrever a situação da violência urbana no Brasil e a vulnerabilidade do cidadão brasileiro. Como objetivos específicos tem-se: Apresentar os dados da violência e suas principais faces, apontar a situação de vulnerabilidade do cidadão, e oferecer medidas válidas de minimização do quadro de vulnerabilidade a partir de ações de prevenção à violência e situações de risco.

A pesquisa conclui que conceituar violência não é tão simples. Que o cidadão encontra-se em situação de vulnerabilidade ante à realidade violenta, esta, fomentada por interesses mercadológicos e também de controle de território e poder. Que há meios de minimizar a sensação de insegurança, havendo a necessidade primeira de assumir um papel de protagonista, e não vítima, em um cenário em que estão em risco, vidas, integridade física e patrimônio.

 

Palavras-chave: Violência. Legítima defesa. Prevenção. Segurança. Crime.


1      INTRODUÇÃO




O Quadro de insegurança pública afeta todas as áreas e esferas da sociedade brasileira. A sensação de impunidade, aliada ao medo da violência, bem como a percepção de que há poucos meios de defesa disponíveis auxiliam no cerceamento da liberdade do cidadão. A confiança nos órgãos de controle diminui. Além disso, toda uma estrutura para a violência e o mercado que a explora lucra com tudo isso.

 

O próprio Observatório da segurança, a tratar da questão, afirma:

As duas últimas décadas foram marcadas pela crescente insegurança social diante da expansão da criminalidade e da ampliação de esferas privadas e segregadas (condomínios fechados, bolsões residenciais, grades e muros), cada vez mais marcada pelos espaços não propícios para a manifestação pública desinteressada (OBSERVATORIO DA SEGURANÇA, online).

Tal fato colabora para o que Johan Galtung chama de ?violência cultural?:

 

Por ?violência cultural? nós queremos dizer aqueles aspectos da cultura, a esfera simbólica da nossa existência ? exemplificada pela religião e a ideologia, a linguagem e a arte, a ciência empírica e formal (lógica, matemática) ? que pode ser utilizada para justificar ou legitimar a violência direta ou estrutural. (GALTUNG, 1990 apud CONTI, 2019, p.108).

 

Quando Johan Galtung elabora a ideia do triângulo da violência, entre a década de 70 a 90, especificando violência sob três faces: Direta, Estrutural e Cultural[1], o conceito de violência cultural se desenvolve como um catalisador para a violência como evento, acontecimento (Violência direta) e a violência como processo, como estrutura (Violência Estrutural). Nas próprias palavras do autor:

 

A violência cultural faz com que a violência direta e estrutural apareça, ou mesmo seja sentida como, correta ? ou ao menos não errada. Assim como a ciência política trata de dois problemas ? o uso do poder e a legitimação do uso do poder ? os estudos da violência são sobre dois problemas: o uso da violência e a legitimação desse uso. (Galtung, 1990, p. 291 apud CONTI, 2019, p.108).

 

Estamos diante de um conceito complexo que implica diretamente na formação, controle e desenvolvimento da sociedade. A violência modifica hábitos, inibe avanços, cria mercados e cerceia liberdades. A paz, como oposto da violência, não se trata simplesmente da ausência da percepção desta, mas de um entendimento mais amplo do que é viver sem medos, insegurança e dignamente (tanto nos aspectos econômicos, quanto bio-psico-emocionais).

 

O presente estudo foca na crescente sensação de insegurança do cidadão comum[2]. Seu objetivo Geral é Analisar a violência sob a perspectiva do cidadão em face da guerra existente entre os órgãos de combate ao crime e a própria criminalidade. Especificamente se busca: Conceituar a violência urbana sob a visão de Johan Galtung; Destacar a vulnerabilidade e insegurança do cidadão e Oferecer dicas e saídas para minimizar este quadro de insegurança.





2      O QUE O MEDO DA VIOLÊNCIA TIRA DO CIDADÃO?






A ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, famosa por sua participação no desenvolvimento do conceito de Sustentabilidade, declara no prefácio do documento World report on violence and Health de 2002:

 

A violência permeia a vida de muitas pessoas em todo o mundo e atinge todos de nós de alguma forma. Para muitas pessoas, ficar fora de perigo é uma questão detrancar portas e janelas e evitar locais perigosos. Para outros, fugir não é possível. A ameaça de violência está atrás dessas portas ? bem escondida da exibição pública. E para aqueles que vivem no meio da guerra e do conflito, a violência permeia todos os aspectos da vida (KRUG et al, 2002, p.10).

 

Brundtland foi certeira. Estamos diante de um cenário massivo de violência que alcança dentro (violência doméstica) e fora dos lares (violência urbana). A decorrente sensação de insegurança leva pessoas a se enclausurarem em edifícios, condomínios cada vez mais cercados de segurança privada e tecnologias que buscam inibir a ação criminosa (o que nem sempre conseguem). Isso causa, ou possibilita que se crie, o que Hidalgo et al (2021) chama de ?urbanização excludente?. Como dizem:

 

?O território em si mesmo não produz a violência, mas a ocupação territorial que resulta os chamados espaços-conteúdos, onde os ocupantes passam a ter um significado e desempenhar um papel social, é que promove o design da violência? (HIDALGO et al, 2021, p.165-182).

 

Frattari (2009) pesquisou a sensação de insegurança em cinco cidades latino-americanas, em bairros de diferentes classes sociais. Em todos, a sensação de insegurança foi acima de 65%. A pesquisadora destacou que incivilidades, como vandalismo, uso explícito de drogas, depredação e rompimento de regras de educação levam ao aumento dessa sensação de insegurança dado os comportamentos desafiadores expressarem as tensões na ocupação do espaço público, o que corrobora com a percepção de Hidalgo et al (2021) quando destaca a ocupação territorial e as disputas por poder.


 




3       A CULTURA DO MEDO E SEUS EXTREMOS: LOBOS E CÃES PASTORES








Gomes et al (2020) destaca que os estudos nacionais e internacionais sobre violência evidenciam uma preocupação com as formas com que a violência é tratada pela mídia, pela população das classes sociais mais altas, pelas classes mais baixas, nas diferentes regiões e na própria cultura. Discutindo desde a ocupação territorial até o acesso do cidadão a lazer e cultura, os autores demonstram que podemos perceber uma cultura de medo no país.

 

Essa cultura, fomentada pelo sensacionalismo midiático, e até certo ponto incentivada pela própria sociedade, que se beneficia de um mercado vultoso ligado à segurança privada que faz circular cerca de 240 bilhões de reais na economia (LOURENÇO, 2019) sem incluir os 1,38% do Produto Interno Bruto do País já gastos com segurança pública (FORUMSEGURANÇA.ORG, 2021) só faz aumentar ainda mais a vulnerabilidade do cidadão, diminuindo sua disposição de defesa, sua capacidade de reação, sua disposição para o lazer, vivências no ambiente e aumentando o isolamento social. Nesse sentido, a violência é um vírus letal, permanente e rápida proliferação.

 

Dentro desse cenário, dois ?coadjuvantes? aparecem: o policial, representando a força pública de prevenção e repressão ao crime e o bandido, representando, desde a marginalização, o resultado das disputas de poder, território e capacidade de subsistência, até a organização criminosa, paraestatal (diabólica, até)[3].

 

Considerando um quadro de vulnerabilidade, em que o cidadão se percebe como um ovelha, típica representação da insegurança e medo, o policial é um cão pastor que tem a missão de afastar os lobos, predadores das ovelhas (criminosos) e arriscam sua vida no processo, tanto por não ser entendidos pelas ovelhas que defendem, já que, para afastá-las do lobo, por vezes, tem de ?morder? as ovelhas e assustá-las, direcionando-as ao caminho mais seguro, quanto pelo risco do lobo, que anda em matilha, destruir o protetor das ovelhas.

 

É nesse cenário em que ator principal e coadjuvantes desempenham seus papéis que, o cidadão pode e deve escolher a posição em que permanece ou a decisão sobre o seu próprio papel dentro de uma sociedade que vive uma cultura de medo e uma sensação de insegurança permanente.










3.1     COMO DIMINUIR A SENSAÇÃO DE MEDO: DICAS RÁPIDAS.








Seria absurdo imaginar que a pesquisa ora exposta se limitaria a expor motivos e circunstância que apontam a vulnerabilidade do cidadão ante a violência, sem oferecer auxílio, tanto como perito em artes marciais, quanto em conhecedor das dificuldades existentes no contexto de segurança pública e privada.

 

Nesse sentido, algumas reflexões importantes possibilitam uma diminuição da sensação de medo e insegurança e favorecem um melhor posicionamento do cidadão quanto á violência que o cerca ou que o ameaça em suas atividades diárias. Dentre as várias dicas que se poderia oferecer estão:

 

Utilize a prevenção como estilo de vida e não como sinal de alerta: Muitas pessoas apenas passam a agir preventivamente quando já passaram por situações de violência. Suas ações ?preventivas?, na verdade, são reativas, e apenas mudam seu comportamento após enfrentar riscos, stress e traumas que limitam ainda mais sua capacidade de reação. Por prevenção, estamos nos referindo ao uso de telefones de discagem rápida em caso de emergência, uso de EDC, lâminas ou armas (a quem tem porte) em lugar de fácil acesso, treinamento marcial, observação contínua do ambiente, estado de alerta em locais públicos, planejamento de trajeto, horários e opções de solicitação de ajuda, dentre outras medidas.

 

Ensine as futuras gerações a encararem a realidade: No intuito de preservar os filhos, sobrinhos e etc, muitas pessoas cercam-nos de cuidados e ilusões. Alertar e ensinar as futuras gerações sobre a necessidade de prevenção, educação, capacidade de resistência (Anti-bullying, por exemplo), respeito ao próximo, autodefesa, controle da agressividade e necessidade de anteverem situações de risco são medidas com maior garantia de segurança do que o cerceamento de liberdades em decorrência da insegurança.

 

Assuma o protagonismo de sua segurança: Ainda que pareça repetitivo. É preciso lembrar que não há meio possível de um órgão protetor (polícias, seguranças, familiares) estarem a todo momento próximos em caso de situação de risco. A criminalidade está cada vez mais presente e ousada. Agir preventivamente é uma necessidade, porém não é garantia de que nunca a violência urbana lhe sobrevirá. É preciso ser capaz de se defender e aos seus familiares e patrimônio. Treinamento mental e físico, Experiência e mentalidade de combate, agressividade controlada, capacidade de ser reativo e eficiente diante do risco (Mentalidade Caveira) devem ser entendidos como investimento em saúde, qualidade de vida e segurança.

 

Além dessas, muitas outras coisas podem ser ditas, no entanto, o escopo da pesquisa e o espaço não nos permitem. Vide em breve no próximo livro a ser publicado: Mentalidade Caveira.











4      CONSIDERAÇÕES FINAIS










Diante dos argumentos expostos e dos dados apresentados, podemos concluir que a violência se manifesta de forma direta, estrutural e cultural. Que o conceito, embora complexo, evidencia que esta mesma violência modifica toda a vida da sociedade, sua dinâmica e sua capacidade de resposta.

 

Conclui-se ainda que o cidadão comum é vítima de um medo constante, alimentado , muitas vezes pela realidade, e em diversas vezes pelo sensacionalismo midiático e os interesses do mercado da violência. De qualquer forma, este cidadão, em não poucas situações aparece como uma ovelha muda, impotente e amedrontado diante de uma guerra que acontece de forma velada, mas também explicita entre os que devem proteger a sociedade e os que querem destruí-la, assumindo territórios e centros de poder.

 

Diante dessa situação, ações de protagonismo da própria segurança, saindo do ciclo estereótipo de ovelha, cão-pastor e lobo, é preciso encarar a realidade e repassá-la adiante, formando-se, moldando mente e corpo para enfrentar tal situação e preservar a vida própria, assim como a de entes queridos e seu próprio patrimônio.

 

Dentre as dicas oferecidas, há implícito que o direito à autodefesa também é um dever. Se o cidadão não acordar para os riscos de se submeter ao vencedor de cada disputa por território e poder, este mesmo cidadão nunca deixará de ser ovelha. É preciso mudar. É preciso reagir, agir, encarar a realidade e assumir um papel. Qual será o seu? Ovelha, Cão-Pastor ou lobo? Mesmo que seja reducionista tentar pensar em apenas três opções, é preciso destacar que a decisão mudará o rumo da vida de cada componente da sociedade e portanto, os rumos dela.










REFERÊNCIAS








[1] Vide (CONTI, T. V. Armas, Guerras e Instituições: os Estados Unidos, 1840-1940. Campinas: IE/UNICAMP, 2019 (Tese de Doutorado).

[2] O uso da palavra ?comum? não tem conotação pejorativa, antes, busca diferenciar entre o cidadão com o dever de agir (policial) e o criminoso (que nem cidadão é).

[3]A conotação não se refere a algo religioso, mas ao ?mal pelo mal?, no desejo de ver o caos implantado na sociedade para conquistar o poder pela força a intimidação da vontade.

CONTI, T. V. Armas, Guerras e Instituições: os Estados Unidos, 1840-1940. Campinas: IE/UNICAMP, 2019 (Tese de Doutorado).

FORUMSEGURANÇA.ORG. Gastos e financiamentos da segurança pública. 2021. Disponível em :< https://forumseguranca.org.br/publicacoes/gastos-com-seguranca-publica/> Acesso em 20.Jul.2021.

FRATTARI, Njala Franco. Insegurança: As Práticas E Discursos Do Medo Na Cidade De Goiânia. 192 f. 2009. Dissertação (Mestrado em Sociologia) ? Departamento de Ciências Sociais ? Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2009.

GOMES, André Luis. Et al. O que dizem os estudos sobre violência urbana? Uma análise das abordagens nacionais e internacionais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 01, Vol. 07, pp. 14-40. Janeiro de 2020. ISSN: 2448-0959

HIDALGO, David et al. Violência urbana e políticas de segurança: análise em quatro cidades latino-americanas. EURE (Santiago), v. 47, n. 141, p. 165-182, 2021.

KRUG, Etienne G et al (Eds). World Report on Violence and Health. Geneva: WHO, 2002. Disponível em: Acesso em 20.Jul.2021.

LOURENÇO, Paloma. A segurança privada se tornou necessidade no Brasil? 11.Jun.2019. Disponível em: Acesso em 20.Jul.2021.

OBSERVATÓRIODASEGURANÇA. A segurança Pública no Brasil. s.d. Disponível em: Acesso em 20.Jul.2021.