SOCORRO! TEM ALGUÉM ARMADO NA BALADA
A polêmica das armas em aglomerações.
Wesley Gimenez
Este artigo trata das questões que cercaram o recente caso do lutador Leandro Lo e a sus triste morte. Não só pelo que representava ao Jiu Jitsu, mas pela covardia com que foi brutalmente assassinado, a discussão acerca de sua morte leva à reflexão sobre o uso de armas de fogo em locais com aglomeração, a formação dos policiais e o comportamento necessário para usufruir de uma diversão de modo seguro.
A fim de iniciar um debate acerca do assunto, é preciso entender o que a legislação diz, quais as atitudes de precaução que se deve ter em locais movimentados e principalmente observar a necessidade premente de todos conhecerem, de verdade, o que é ter um estilo de vida seguro em um mundo cada vez mais conturbado.
Palavras-chave: Violência. Morte. Combate. Armas. Provocação. Atitude. Reação.
Recentemente, a morte de um octacampeão de Jiu Jitsu, bastante conhecido entre os praticantes de artes marciais, Leandro Lo, em um show na zona sul de São Paulo, reacendeu a questão do porte de armas de fogo, sobretudo por integrantes da segurança pública, em locais movimentados.
O grande lutador, reconhecido no meio do Jiu Jitsu, foi provocado e por fim, baleado na cabeça pelo tenente da Polícia Militar, Henrique Otávio Oliveira Velozo. A equipe de segurança do local não teve possibilidades de intervir ou impedir a entrada do Policial no Show, portanto sua arma. Isso porque o Estatuto do desarmamento (Lei 10.826/03) permite, a grupos específicos portarem armas durante as 24 horas do dia.
Segundo o porta voz da equipe de segurança, o nome de pessoas com a referida autorização é registrado logo que adentram o Show, mas sua arma não pode ser apreendida ou a entrada ser barrada. Seguranças de evento, vigilantes, porteiros e demais profissionais de segurança privada ficam de mãos atadas. Mesmo que reconheçam que existe a prerrogativa legal, confessam-se intimidados.
"Isso é um problema pra gente, porque um PM armado dentro da casa já intimida quem não está", afirmou Moisés. "Nós, que sabemos que ele está armado, já nos sentimos intimidados. Se ele beber, se jogar copo pra cima, tirar a camisa, se bater em alguém... um vigilante, que só tem um curso de formação e sem treinamento tático específico, como vai abordar uma pessoa armada?
Esse desabafo não só levanta a questão da necessidade de melhor treinamento para esses valorosos profissionais, mas também a questão do que fazer diante de uma arma existente em lugares públicos e aglomerações.
Ainda que não se trate exatamente de alguém que adentre legalmente com uma arma no recinto, há quem possa entrar armado de forma camuflada, com ou sem a conivência de um funcionário, para especificamente cometer um crime ou intimidar alguém no local, se exibir ou coisa similar.
Diante de tal desafio, como agir? E se for necessário agir, qual, exatamente deve ser a conduta diante de uma arma de fogo em ambiente de aglomeração de pessoas? Como agir preventivamente e qual a reação mais apropriada? É sobre isso que este artigo busca debater, ainda que superficialmente.
A prerrogativa dos integrantes das forças de segurança pública, elencadas no Art. 144 da Constituição Federal, de portar arma de fogo em locais públicos ou com aglomerações de pessoas, foi uma concessão , dada pelo artigo 6º do Estatuto do desarmamento, que visualiza o risco inerente à atividade policial em todo período e em todo lugar. No entanto, isso não tem limites, visto que também a lei do desarmamento define que:
Art. 10: [...] §2 ... A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.
Uma vez que o policial adentre o recinto e consuma bebida alcóolicas, sua percepção fica alterada, o que deve ensejar a guarda apropriada de sua arma. A conduta de consumir álcool deve ser um ?assumir o risco? visto que a alegação do exercício da função não pode ser pretexto para cometimento de infrações ou crimes, como os de portar arma em estado de embriaguez ou dirigir sob efeito de álcool, por exemplo.
Ainda sim, não se pode utilizar a irresponsabilidade, covardia e insensatez de um policial para discutir toda a legislação sobre o porte, posse e uso de arma de fogo por policiais, dentro ou fora de serviço. É preciso agir no caso concreto, inclusive sendo rigoroso na punição a policiais que deixam de lado a honra de seu dever e cometem crimes. Como bem salienta o policial civil Olivardo Pires de Araújo Júnior:
...a irresponsabilidade do policial no porte e manuseio de sua arma de fogo será devidamente enquadrada em figuras típicas como homicídio, inclusive na forma tentada, lesão corporal, constrangimento ilegal, disparo de arma de fogo em via pública, entre outros, respondendo o policial nas esferas, administrativa, cível e penal.
Cabe aos órgãos de segurança, punir dentro dos preceitos legais, àqueles que não se enquadram dentro dos padrões éticos de conduta profissional, nem dentro dos critérios de segurança para o manuseio de arma de fogo. O que não se pode é querer discutir, e até mesmo restringir uma prerrogativa legal estabelecida em norma federal, senão, colocaremos em xeque a Democracia.
Dessa forma, ao sacar uma arma em local público, para qualquer outra coisa que não seja defender a sociedade, o policial se iguala ao bandido, devendo ser detido e neutralizado até a autoridade competente definir a punição e procedimento correto em relação à sua atitude.
O próprio Tenente Henrique Otávio Velozo já respondeu na justiça militar por desacatar e agredir um colega de farda. Assim, desde este episódio, igualou-se aos bandidos que combate, vivendo à margem da lei e desonrando a farda.
A primeira coisa a se pensar ao comparecer a lugares movimentados e com aglomerações é se a posição em que estou favorece um ataque surpresa ou me coloca em posição de vulnerabilidade.
Como repito em diversas ocasiões, todo ?caveira? é chamado de paranoico até que algo acontece. A questão não é viver isolado ou com desconfiança de tudo, mas adotar uma capacidade intrínseca de assumir um estilo de vida seguro, ao mesmo tempo que a aproveita o máximo da vida.
É nesse sentido que, uma arma em local público é sempre uma ameaça. Até mesmo quando usada para defesa própria, em caso de aglomeração, a arma é item proibido visto seu potencial lesivo e a possibilidade de atingir terceiros alheios à ameaça ou confusão imediata.
A técnica de escaneamento do ambiente é uma habilidade cultivável e necessária. Principalmente em relação a lugares de grande movimento e aglomeração. Além disso, observar constantemente o entorno evita diversos problemas. Ainda que conjecturar o que poderia ser feito, após o já ocorrido, além de temerário, seria desagradável.
No entanto, a título de análise, é possível destacar lições que aprimoram nosso nível de atenção em locais onde uma confusão ou uma tentativa de assassinato possa ocorrer.
1) Evite ficar exposto demais em lugares movimentados: Cuide para que o local onde você esteja não seja próximo ao caixa, a pessoas tumultuosas ou a pontos sem áreas de escape. Ficar de costas para a maior parte da multidão também é um risco. Busque locais próximos a saídas ou áreas de escape e se possível, tenha uma parede ou um pilar às suas costas, deixando o ambiente à frente e os flancos disponíveis para visualização em todo o tempo.
2) Não responda a provocações: Alguns valentões, ao ingerirem bebidas alcóolicas perdem a noção do perigo e a timidez e gostam de deixar aflorar seu instinto animal de combate. Se isso acontecer, ignore. Se o valentão insistir, deixo-o falando sozinho, mas mantenha a distância necessária. Caso haja perigo iminente, reaja contundentemente e deixe o local. Quando digo ?contundentemente? é exatamente impedir uma reação posterior, apagando o agressor (sem matá-lo) ou imobilizando-o até a chegada do segurança. Não o libere sem que o segurança faça a verificação de arma, faca ou drogas antes.
3) Deixe o local imediatamente: Se uma confusão se instalou, seja ou não com você, há uma grande possibilidade que seja um alerta para deixar o local. O ambiente continuará hostil e a tendência é que outra confusão se siga ou haja uma reação, como efeito cascata da primeira. Por isso, vá para outro local ou termine a noite em um lugar mais tranquilo. É melhor lamentar uma noite interrompida que uma vida perdida.
A reação é algo que depende do grau de letalidade e a intenção de quem possui a arma. Em uma situação de assalto, por vezes, a intenção é o bem material, portanto, a reação é desaconselhada.
Em caso de confusão em locais públicos, como foi o recente caso do lutador, a reação deve ser algo instintivo e apenas necessária se a vida está em risco ou se o perigo da não reação causar um dano maior.
Deve-se levar em conta que há mais pessoas no local, e que uma reação pode, e é muito provável que aconteça, deixar escapar ao menos um disparo. Essa ?bala perdida? pode encontrar alguém perto e afinal, a reação ser mais danosa que tentar acalmar os ânimos da pessoa armada.
No entanto, havendo risco de vida imediato, a reação deve ser executada o mais eficientemente possível, e é por isso que treino de defesa pessoal é assunto essencial na formação de profissionais, mas também na vida de todas as pessoas.
Este artigo discutiu o caso Leandro Lo, mas principalmente a questão de armas em locais públicos. O fato de um policial estar armado não deve ser confrontado. Há um direito que está ligado à profissão. Contudo, uma conduta de um mau policial fere toda a corporação e levanta discussões que tem mais interesse político que realmente na solução do problema.
Policiais que adentram locais, fora de serviço, para beber e se divertir, devem assumir o risco a que se expõem, afinal, alguns lugares não podem ser frequentados por certas profissões e isso é o que se chama de ?Ossos do Ofício?. O poder do porte de armas tem seu bônus e seu ônus. É preciso encarar isso.
Existindo o excesso e a má conduta, o policial sai desta identificação e veste a capa de bandido, e assim, deve ser tratado como tal.
Cuidar de sua segurança não é algo que se terceiriza, e para viver uma vida plena e usufruir verdadeiramente das suas alegrias exige uma boa dose de cuidado, sagacidade e habilidades em segurança.
?O que se precisa, mais do que levantar discussões e restrições a porte de arma é educar as pessoas. Armas, em si mesmas são inócuas. Pessoas matam pessoas. Pessoas é que precisam de conserto, limitações e aprendizados. Se ao invés de uma arma, alguém utilizasse um saca rolha ou uma garrafa quebrada para matar alguém, estaríamos discutindo o uso de vidro ou metais em locais públicos? Shalom!
ARAÚJO JUNIOR, Olivardo Pires de. Porte funcional de arma de fogo, prerrogativa de função ou mera faculdade? 2017. Disponível em : https://olivardoaraujo.jusbrasil.com.br/artigos/535719377/porte-funcional-de-arma-de-fogo-prerrogativa-de-funcao-ou-mera-faculdade. Acesso em 11.Ago.2022.
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