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LIBERDADE PARA QUEM?

Uma análise crítica da saidinha de presos


Wesley Gimenez


RESUMO


Este artigo traz uma discussão importante sobre a questão das saidinhas temporárias ofertadas a presos em regime semiaberto. O índice de crimes cometidos nesse período não é contabilizado. Enquanto presos que matam pais e mães são soltos nas datas festivas, inclusive dia dos pais e dia das mães, a sociedade se tranca em muros altos, cercas elétricas e medo.


A Penitenciária, que deveria cumprir seu papel de ?penitência? vai virando faculdade do crime, colônia de férias e lugar onde a comunicação flui, mesmo com o intenso trabalho de policiais e da direção. Presos simulam um ?bom comportamento? em busca do benefício e quando o tem, poucos são os que , de verdade, vão para o seio da família buscando mais uma parcela de ?reintegração?. Não se busca demonizar a concessão de benefícios ao público encarcerado, e sim, combater a completa inversão de valores vividas na questão de segurança pública em nosso país.


Palavras-chave: insegurança. Penitenciária. Saídas temporárias. LEP. Liberdade.

 


1        INTRODUÇÃO

 

Em novembro de 2020 uma notícia chamou a atenção. Uma menina de 12 anos ficou grávida de um estupro, que teria ocorrido sob a autorização do próprio genitor da menina (chamar de ?pai? é leviano). O detalhe que causou a inda mais revolta foi o fato do estuprador e do próprio genitor da menina serem companheiros de presídio, tendo sido beneficiados com a popular ?saidinha? oferecida em datas festivas, tais como o feriado de independência. No Estado de São Paulo, em 2020, quase 1500 presos não retornaram e ficaram foragidos. Muitos (se não, todos) voltaram a delinquir e a praticar coisas horríveis como as que essa menina sofreu.


Pelo tempo de experiência no mundo prisional, e pelo teor da notícia, é bem possível imaginar que a menina foi ?negociada? com o estuprador, pelo genitor, que, em dívida ou querendo algo, colocou a menina na negociação. O comportamento estranho da menina chamou a atenção da mãe e foi após muita conversa que a verdade veio à tona. Os dois criminosos foram presos e retornaram ao regime fechado. A menina ficou ?presa? para o resto da vida, com um trauma que não dá direito à ?saidinha?.


Por isso o Projeto de Lei 360/2021, apensado agora a outro projeto de lei mais antigo, o PL 6579/2013, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, é bem-vindo com um endurecimento necessário a essa concessão demasiada ?humana? para com os bandidos e demasiadamente ?desumana? para com suas vítimas.


A brilhante monografia da prudentina Heloisa Castangue merece uma citação neste artigo. Há uma evidente inversão de valores, com um óbvio ?excesso de Direitos? dados aos encarcerados em contraposição a direitos minimizados ao cidadão que, em decorrência da insegurança, vivem em uma posição de supressão do direito à liberdade, locomoção, moradia, educação de qualidade (em zonas de tráfico) e segurança. Como diz a autora:


Como debatido anteriormente, o cenário da atualidade brasileira quanto aos direitos humanos do cidadão livre está longe do almejado pela Constituição Federal Brasileira vigente. O fato de direitos serem violados, traz um sentimento de indignação por muitos da sociedade. Esse sentimento se agrava quando paramos para refletir que muitos criminosos presos ou não, detém melhores condições sociais e econômicas do que muitos cidadãos livres [...] nota-se que há um contrassenso entre as organizações de Direitos Humanos e não há políticas públicas claras ou objetivas, que façam prevalecer os direitos humanos das vítimas de crimes, de tal forma que, fica evidente a prevalência de garantias dos direitos humanos para os infratores da lei.



Há casos famosos de beneficiados por saidinhas temporárias. O já famoso ?Lázaro Barbosa?, que teve a perseguição policial mais noticiada do Brasil, aproveitou-se de uma saidinha para cometimento de estupro e crimes diversos. Suzanne Von Richtofen, assassina dos pais, já foi beneficiada pela saidinha no dia dos Pais e no dia das Mães, um contrassenso que chega a ser hilário (se não fosse trágico). A também já famosa (e agora defendida) Elise Matsunaga que literalmente fatiou seu marido, também foi recorrentemente beneficiada. Enquanto isso, há locais em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e diversas cidades onde o cidadão comum não pode entrar, ou mesmo sair sob o risco de ter sua vida ceifada.


Há zonas territoriais em grandes cidades, controladas pelo narcotráfico, onde a população vive uma ?síndrome de Estocolmo coletiva? elevando o traficante ao status de um herói, que oferece os serviços que o Estado não provê, ainda que a custas de algumas mortes, abusos e opressão. Afinal, ?não se pode fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos? (a frase é tão absurda quanto a lógica que defende o bandido e miliciano, que a usam igualmente).


2        Quais os requisitos para a saída temporária?


De acordo com a Lei de Execuções Penais, Lei 7210/1984, tem direito à saída para visitar a família quem tenha cumprido 1/6 da pena, ou seja, pouco mais de 16% desta, se primário, e ¼ , ou seja, 25% se for reincidente. O preso deve estar em regime semi-aberto, e ter ?bom comportamento?, atestado pelos diretores do Presídio. Em São Paulo, as saídas são regulamentadas pelo Juiz Corregedor e concedidas no Natal/Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães e dos Pais e Finados.

Quando se lê sobre o assunto em sites oficiais ou de notícias, parece ser algo difícil e cheio de regras. Porém, a realidade é outra.


A dificuldade de fiscalização, o volume de presos e as diversas dificuldades no monitoramento desses presos durante o período de saidinha torna muito comum observar presos, assim que saem para ?visitar a familia?, sequer chegam à casa de parentes. Estacam no primeiro bar que encontram ou vão direto para a ?biqueira? fumar maconha ou consumir outra droga. Fazem os contatos necessários com seus parceiros criminosos e se vão voltar para o presídio, já chegam com um calhamaço de ?recados? e instruções. Tanto na mente quanto, às vezes, escritas no fundo das calças, nas cuecas e no próprio corpo.


As saidinhas, portanto, beneficiam diretamente uma pequeníssima porcentagem de presos. Observa-se a exaltação que se dá ao número dos que retornam. Como se quase 1500 presos fosse um número tão pequeno que é ?irrisório? o número de crimes cometidos. Não há estatísticas sobre isso. Afinal, que tipo de atitude isso geraria? Obviamente ao endurecimento das medidas tidas como ?ressocializantes? e que na verdade contribuem paulatinamente para um crime cada vez mais organizado e comunicativo.

Enquanto os direitos ?humanos? dos ?manos? são preservados, o direito do cidadão é cada vez mais cerceado.


Não precisa de muito. Vá à praia no fim de ano e tente não sentir o cheiro de maconha no ar. O que era feito às escondidas, sob viadutos e lugares fechados, é feito em rodas de ?narguilé?, ou em exposição nas ruas, à vezes perto de bases policiais que, pouco ou nada podem fazer diante do mero ?cheiro?. Essas condutas estão recheadas de comemoração à saidinha de um ?mano?. Ele tem pouco tempo para aproveitar ?a vida? já que vai ter que voltar pra ?faculdade? (como os presos em São Paulo chamam o presídio).


Assim, o ?beneficiado? retira o benefício do cidadão que juntou dinheiro o ano todo, com sacrifício para curtir um local de praia, tendo que aceitar conviver com o fétido cheiro da droga ou simplesmente mudar de itinerário no ano seguinte. No chamado ?efeito borboleta?, toda a economia do país perde. O crime vai se fortalecendo com o vai e vem nos presídios. Quadrilhas fornecem ônibus, chamados ?da família? para conduzir os detentos do presídio para os centros urbanos mais longínquos, tudo sob o preço da lealdade de parentes e do próprio preso. Enfim, a complexidade e os detalhes são tantos que a fria letra dos projetos ?humanos? de comissões engravatadas em salas com ar-condicionado sequer conseguem contabilizar.


A mesma lógica do playboy filho de empresário que acha que a maconha e a cocaína que cheira não alimenta a morte, o estupro, a opressão e o engrandecimento do crime, é utilizada pelo político, que sentado na sua almofadada cadeira e cheio de assessores jurídicos idealiza o melhor ?discurso? em prol do direito humano igualitário e a busca ?incessante? pelo bem-estar da sociedade. Afinal, o que é um baseado? O que é apenas alguns dias com presos em casa? Vamos todos dar as mãos e cantar ?Hakuna Matata?, e se puder, ?leve um preso pra casa?, adote um, ele vai da ?cela pra sala? e tudo vai terminar bem (alerta de ironia latente).


3        Por que o fim das saidinhas é necessário?


Uma das grandes ilusões dos que estão fora do Sistema Carcerário é imaginar que a cadeia é um castelo de horrores. Ainda que não seja um ?Spa? (Como alguns a querem tornar), é um lugar com mais conforto que muitos barracos em favelas pelo Brasil. O custo por preso no Brasil supera os 1,8 mil reais mensais segundo dados do CNJ em 2022. Em alguns casos (regime de RDD e penitenciárias de segurança máxima) o custo supera em muito esse valor. Se comparado ao custo de um aluno na educação básica, um preso custa mais que o quádruplo de um aluno (que custa aos cofres públicos R$ 470,00 em média).


Essa discrepância fortalece a necessidade de medidas que efetivamente transformem a realidade do país, com maiores (e mais eficientes) investimentos em educação, infraestrutura e serviços, e menores privilégios a presos. Não se defende que se regrida o acesso do preso à ressocialização ou que a penitenciária vire um depósito de gente. O que se defende é que se invista mais em prevenção, educando e informando a sociedade, combatendo o crime organizado, cerceando suas fontes de renda (inclusive nos presídios), impedindo seus canais de comunicação e verdadeiramente exigindo que aquele que cometeu crimes cumpra efetiva e integralmente sua pena, sem benefício algum, saindo e recebendo assistência sim, auxílio e educação do estado, mas com a mente posta na certeza de que não quer mais voltar ao presídio.


Não se pode deixar que os valores continuem invertidos. Ainda que se reconheça a necessidade de uma busca efetiva da reintegração do preso à sociedade, não se pode fazer isto à custa da própria sociedade. Além disso, é notório que o impacto político, econômico, psicológico e social imposto à sociedade na busca da chamada ?ressocialização? não tem redundado na melhoria da sociedade, ao contrário, tem gerado contínua sensação de impunidade e insegurança, fechando o cidadão em casas e deixando o crime ?à solta?.


Por vezes, na busca por ter direito à saidinha, presos simulam seu ?bom comportamento?. Como destacam João Ferreira e Wender Pires em seu artigo, presos ?dizem que estão ressocializando, mas na verdade estão criando um comportamento que na vida social é inútil, pois para que possa ser agraciado com o benefício é necessário que tenha um bom comportamento e tenha cumprido o requisito objetivo?. Ou seja, há uma simulação de bom comportamento a fim de alcançar o benefício. Uma vez alcançado, volta-se à mente delitiva, com o projeto consumado de fuga ou cometimento de crimes.


Quantas vezes percebi o sorriso do preso ao sair da entrevista com a assistente social. Os cochichos dizendo que foram capazes de ludibriá-la, fingindo bom comportamento e arrependimento. Quantas vezes vi a triste cena de uma psicóloga na penitenciária defender um preso que a agredira poucos minutos antes com palavras de baixo calão e que, ao ser repreendido pelo agente penitenciário, é defendido pela ?vítima? da agressão com fervor.


A inversão de valores contamina a formação profissional, a idealização gera projetos esdrúxulos que transformam bandido em anti-heróis, que minimizam seus crimes utilizando de falácias e histórias tristes acerca do passado ou condição do criminoso. E é assim que saidinhas e concessões são aprovadas, sob o olhar dócil das futuras vítimas, como o cordeiro que chora e estica seu pescoço para a faca que o degola.


4        CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este artigo trouxe uma reflexão acerca da concessão de saidinhas a presos no Brasil. Não se objetivou esgotar o tema ou radicalizar o tratamento e benefícios concedidos à população carcerária, muito menos suplantar a lei vigente. O que se destacou principalmente é que a concessão de saidinhas estão, de fato, resultando em crimes bárbaros cometidos e não contabilizados durante o período. Além disso, a sensação de insegurança da população em geral, que não pode ser nomeada de ?não-presa? já que vive encarcerada em seus lares, aumenta a cada dia.


Projetos de lei que buscam enrijecer e trazer mais critérios para a concessão dessas regalias e benefícios concedidos podem oferecer uma paliativa solução ao problema, contudo, a solução definitiva passa por toda uma conscientização da sociedade e uma preparação do Estado para, ao mesmo tempo em que torna o crime algo não compensatório, oferece ajuda a ex-presidiários que realmente queiram reintegrar-se, em paz, à sociedade, após o cumprimento cabal e definitivo de suas respectivas sanções penais.


?Enquanto o aluno de escola valer menos que um encarcerado, sendo dispensado menos investimentos e menos atenção e direitos, mais o criminoso enxergará o crime como uma possibilidade viável, um ?risco calculado e compensatório?, como já ouvi de um preso uma vez. A busca por uma sociedade mais pacífica passa pela certeza, por parte de criminosos de que o crime não compensa. Transformar a penitenciária em ?colônia de férias? não vai ajudar nesse processo. Shalom!


5        REFERÊNCIAS



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