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?Os menores caixes so os mais pesados de se carregar?

A lei Henry Borel e a violncia contra a criana.


Wesley Gimenez


RESUMO


Este artigo discute a violncia contra criana e adolescentes. Para tanto, se utiliza a recente sano da Lei Henry Borel, que aumenta a pena para quem comete crime contra criana ou adolescente, sobretudo em contexto de violncia domstica.


A histria do menino Henry ainda mexe com o estmago e com a cabea de muitos, e preciso destacar nesse ensaio a urgncia de se entender que defender nossas crianas defender o nosso prprio futuro. Como famlia, como sociedade e como seres humanos.


Ser capazes de ouvir, ver e perceber os pedidos velados de socorro. Agir e combater com todas as foras as vrias violncias e toda a estrutura que as permite acontecer uma tarefa de todos, responsabilidade universal, que demonstra que a potencialidade do ser humano para praticar o mal do mesmo tamanho de sua capacidade de defender o bem.


 

Palavras-chave: Criana. Pureza. Violncia. Agresso. Proteo. Defesa.

 


1        INTRODUO

 

O ttulo deste artigo uma frase da deputada Jaqueline Cassol (PP-RO), em entrevista a Jovem Pan News no dia 26 de maio de 2022. No contexto da entrevista estava a sano da lei 14.344, de 24 de Maio de 2022.


Essa lei, homenageada pelo Congresso Nacional como Lei Henry Borel ?Cria mecanismos para a preveno e o enfrentamento da violncia domstica e familiar contra a criana e o adolescente?.


Alm disso, a lei entra em vigor em um perodo em que casos de violncia contra crianas so noticiados com maior frequncia e em que os agressores esto, por vezes, dentro dos lares dessas crianas.


Assim como a lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a Lei Henry Borel nasce do Clamor pblico por mais proteo, no s mulher, como o caso da 11340/06, mas tambm a crianas que vivem em situaes de vulnerabilidade, suscetveis a maus-tratos e explorao, realizadas por quem tem o dever de cuidar, amar e proteger.


Segundo dados da Unicef, quase 35 mil crianas e adolescentes morreram de forma violenta entre 2016 e 2020. So quase 7 mil mortes por ano. Somente neste perodo, o nmero de mortes de crianas com idade entre 0 e 4 anos aumentou 27%. O que vem chamando a ateno de estudiosos da segurana, alm de toda a sociedade brasileira, nos ltimos anos.


O que causa ainda mais revolta e tristeza perceber que o ambiente domstico o local onde mais ocorrem atos de abuso. Nesse sentido, no h s uma questo de preveno da violncia, mas a percepo de que a formao e manuteno das famlias est perdendo estruturas fundamentais de cuidado e proteo inerentes a ela.


Como pilar da sociedade, a famlia em que se encontra violncia, abuso e explorao infantil est de tal modo corrompida que gera um reflexo direto na sociedade que a contm.


Como um castelo de carta ou sequncia de peas de domin, uma sociedade que admite violncia generalizada contra vulnerveis, notadamente mulheres e crianas est padecendo de falhas estruturais generalizadas, capazes de implodir essa mesma sociedade e transformar o que deveria ser democracia e cidadania em sadismo e retrato de um caos de violncia institucional.


Esse artigo chama a ateno para este assunto, destacando a importncia do cuidado, preveno, denncia e interveno nos quadros percebidos em que h violncia contra crianas e adolescentes.  


A partir do exame das motivaes para a escrita, aprovao e sano sem vetos da Lei Henry Borel se busca destacar a importncia do combate violncia infantil, bem como acentuar a preocupao que deve perpassar o coletivo, mesmo diante de casos que parecem ?no ser da nossa conta?.


2        Henry Borel e o espanto diante da capacidade de violncia humana.


O livro ?Caso Henry: morte anunciada?, da Jornalista Paolla Serra, impressiona pelos detalhes. A descrio acerca do que aconteceu naquele 8 de maro de 2021 destacam uma cena angustiante, em diversas ticas.


O caso ainda segue um mistrio, com alegao de inocncia, laudos comprovando agresses, uma situao to angustiante que parece cenas de filme de terror e suspense. A lei Henry Borel assim denominada, no na ementa, mas na homenagem feita no seu artigo 27:


Art. 27. Fica institudo, em todo o territrio nacional, o dia 3 de maio de cada ano como Dia Nacional de Combate Violncia Domstica e Familiar contra a Criana e o Adolescente, em homenagem ao menino Henry Borel (grifo nosso).


O psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes, em entrevista CNN Brasil, diante da repercusso sobre o caso Henry Borel se faz duas perguntas interessantes: ?Ser que eu tambm cometeria uma barbaridade dessa?


Ser que eu teria tambm desprezo pela espcie humana??. Essas perguntas, retricas apenas, destacam o que muitas vezes foi debatido em artigos anteriores e no livro ?mentalidade caveira?.


O ser humano no tem ideia do quanto pode ser cruel, assim como pode ser bondoso. Somos desequilibrados por natureza e preciso um reexame constante para que o mnimo de equilbrio possa se manter nestes tempos cada vez mais brbaros, em pleno sculo XXI.


nesse ponto que a defesa pessoal ultrapassa a mera capacidade fsica de proteger algum. No caso de violncia contra criana e adolescente, tambm passa pela capacidade de perceber os sinais que possibilitam defender um terceiro vulnervel, sendo silenciosamente torturado dentro de casa.


Em Julho de 2021, Monique, me de Henry, d uma entrevista jornalista Paolla Serra. Quando perguntada: Voc se arrepende de algo? A resposta foi:


Sim, me arrependo muito principalmente de ter colocado algum dentro da minha casa sem prever que ele poderia fazer algum tipo de mal. Moramos s dois meses juntos, mas foi tempo suficiente para ele ter acabado com o meu mundo.


Em outra parte da entrevista, ao falar de Jairinho, padrasto acusado de assassinar Henry, a me, que segundo a concluso do inqurito policial, sabia das agresses ao filho disse sobre o Vereador:


Eu acho que ele no nenhum psicopata como dizem, porque uma pessoa inteligente, que sabe ganhar dinheiro e sabe manipular as pessoas. No vejo uma psicopatia, no. Eu vejo que ele pode ser uma pessoa ruim mesmo, com ndole ruim, carter ruim. Isso j vem dele. Psicopata ele no no, ele bem inteligente.


Essas informaes destacam que necessrio observar que a maldade humana est alm da luta pela sobrevivncia do mais forte, ou pela ambio de ter algo que no se tem, como os casos de latrocnio. O contexto de pessoas bem-sucedidas, bonitas e inteligentes. A violncia no escolhe status social. No restrita a pobres ou pessoas sem cultura formal.


preciso entender que ela pode estar em qualquer lugar para, em seguida, buscar estratgias para venc-la em seu prprio territrio.

As lei 14.344/22 prev no s aumento de pena para crimes contra menor de 14 anos, chegando a 2/3 se for ascendente, padrasto/madrasta, irmo e diversos outros nveis de proximidade, mas tambm lida com quem queria denunciar, gerando o dever de todos em representar diante da percepo de que h risco de violncia contra criana ou adolescente.


Art. 23. Qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ao ou omisso, praticada em local pblico ou privado, que constitua violncia domstica e familiar contra a criana e o adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao servio de recebimento e monitoramento de denncias, ao Disque 100 da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministrio da Mulher, da Famlia e dos Direitos Humanos, ao Conselho Tutelar ou autoridade policial, os quais, por sua vez, tomaro as providncias cabveis.


A obrigao do poder pblico em proteger e compensar a quem notificar ou denunciar tambm est inscrita na Lei, ainda que sabe-se que a falta de onipresena do estado requer a necessidade de todos de saber se proteger sem depender necessariamente do Estado.


 Art. 24. O poder pblico garantir meios e estabelecer medidas e aes para a proteo e a compensao da pessoa que noticiar informaes ou denunciar a prtica de violncia, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educao, correo ou disciplina contra a criana e o adolescente.


Em escolas, academias, circulando ao nosso redor h crianas e adolescentes que podem estar sofrendo violncia. Segundo o Panorama da Violncia contra crianas, da Unicef (2021), cerca de 92% das crianas de 0 a 9 anos, vtimas da violncia morrem por homicdio doloso (em que h a inteno de matar). E h muita subnotificao.


A rede de informaes ainda deficitria. preciso uma participao massiva da sociedade para combater um problema dessa magnitude. E uma das formas praticvel por qualquer um: Aumento do Nvel de ateno.


3        Ver, Ouvir e Perceber: Verbos que combatem a violncia contra crianas e adolescentes.

 


A capacidade de ouvir se distingue do mero ?escutar?. Uma vida corrida, principalmente nos grandes centros, por vezes deixa as pessoas com um nvel de ateno to baixo que hilrio ver vdeos de pessoas distradas ao celular em meio a tiroteios, assaltos, acidentes e etc.


No entanto, a graa vai embora quando essa distrao entra dentro de casa e toma totalmente a mente de uma pessoa a ponto de no perceber um machucado novo no filho, uma timidez latente na filha, a recorrncia de pesadelos nas crianas e a averso delas a certos ?parentes?.


A capacidade de ouvir o relato de uma criana, sem desmerecer seu discurso ou interromper aquilo que diz, completando a frase como se j entendesse tudo o que ela carrega dentro de si, um dos erros mais claros diante de pessoas que, s depois da tragdia, percebem que poderiam ter ?dado ouvidos? aos pedidos de socorro disfarados.


A capacidade de Ver tambm est alm do mero ?enxergar? com os olhos. Um desenho, um rabisco, uma carta ou uma redao da escola podem esconder uma angstia. Uma linguagem estranha, uma preferncia esdrxula por certos filmes, livros, sries, enfim, podem esconder um modo de desafogar um medo, angstia ou desejo reprimido de se abrir, de contar. s vezes o que as pessoas chamam de ?s uma fase? pode ser um grande alerta que precisa ser ?visto?.


A capacidade de ?perceber? concatenar a viso e a audio na busca de entender o cenrio diante dos olhos. Uma professora que percebe, capaz de notar a mudana no comportamento da criana. capaz de notar as buscas por ateno ou a timidez exagerada, o isolamento, a desvalorizao de tudo ou as exageradas brincadeiras sexuais.


Uma me que percebe vai notar a expresso de medo, nojo ou raiva no encontro da criana com parentes ou mesmo na hora de buscar ou deixar com o ex-cnjuge, quando essa criana manifestar desejo desesperado de no ficar prximo do pai, padrasto, me ou madrasta.


Perceber ser capaz de no s falar com a criana, mas notar o modo como um adulto prximo a toca, a olha, se aproxima ou se comporta com ela. O interesse exagerado, o toque insistente, o olhar lnguido, voraz. As curtidas demasiadas, a insistncia em presentes e mimos.


Tudo deve ser avaliado, percebido. Defesa pessoal de terceiro exige de quem tem uma mentalidade de ?caveira?, a habilidade prtica nestes trs verbos que podem salvar vidas. essa, afinal, a razo de existir do Krav Maga Caveira como sistema de defesa pessoal.         


4        CONSIDERAES FINAIS


Este artigo tratou da grande necessidade de proteger crianas e adolescentes da escalada de violncia, principalmente a domstica. O aumento de casos, a vulnerabilidade das crianas, o escancaramento da maldade humana, que no respeita a consanguinidade, nem o lao afetivo, e nem mesmo considera a atrocidade do crime, exige, cada vez mais, da sociedade, governos e famlias, habilidades de defesa, prpria e de terceiros.


As crianas, como futuro da sociedade constituda de famlias, precisam ser protegidas por critrio simples: sobrevivncia. No existe futuro se a sociedade do futuro j est sendo agredida no presente.


?Se matamos e maltratamos quem constituir a sociedade do amanh, que tipo de final se possvel desenhar para a histria da raa humana e, mais especificamente, da sociedade brasileira? Proteo em todos os nveis, como responsabilidade compartilhada por todos, um princpio basilar para um estado de segurana. Os menores caixes so os mais pesados de se carregar. Shalom!



 

5        REFERNCIAS

BRASIL. Lei 14.344, de 24 de Maio de 2022. Disponvel em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14344-24-maio-2022-792692-publicacaooriginal-165336-pl.html. Acesso em 29.jul.2022.

JOVEM PAN NEWS. Deputada afirma que lei Henry Borel busca no s punir, mas prevenir violncia contra crianas. 26.mai.2022. Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=dZi35ocIv0E&ab_channel=JovemPanNews. Acesso em 29.Jul.2022.

MACHADO, Ralph. Entra em vigor a Lei Henry Borel, que prev medidas protetivas a crianas vtimas de violncia domstica. 25.Mai.2022. Disponivel em: https://www.camara.leg.br/noticias/879487-entra-em-vigor-a-lei-henry-borel-que-preve-medidas-protetivas-a-criancas-vitimas-de-violencia-domestica/. Acesso em 29.jul.2022.

MARIANO, Raquel; ARCOVERDE, Beatriz. Lei Henry Borel torna hediondo o homicdio de menores de 14 anos. 24. Mai.2022. Disponvel em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2022-05/lei-henry-borel-torna-hediondo-o-homicidio-de-menores-de-14-anos. Disponvel em: 29.jul.2022.

PEIXOTO, Sinara. Caso Henry mostra at onde pode chegar o sadismo, diz psiquiatra. 09.Abril.2021. Disponvel em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/caso-henry-mostra-ate-onde-pode-chegar-o-sadismo-diz-psiquiatra/. Acesso em 28.jul.2022.

SERRA, Paolla. Caso Henry: Morte Anunciada. Rio de Janeiro: Editora Mquina de Livros, 2021.

UNICEF. Panorama da violncia letal e sexual contra crianas e adolescentes no Brasil. Frum Brasileiro de Segurana Pblica. Outubro, 2021. 56 f.