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QUAL O LIMITE PARA A PERVERSÃO?

A maldade humana diante da vulnerabilidade da vítima


Wesley Gimenez


RESUMO


Este artigo trata da perversão sexual e da vulnerabilidade das vítimas dos perversos. A perversão em si é uma pulsão humana, contudo, vira crime ao ser utilizada de modo não-autorizado, nefasto e agressivo.


Em um mundo cada vez mais conectado, povoado e cheio de oportunidades a criminosos, é preciso munir-se de cuidados e reações necessárias a evitar, ao máximo possível, cair na mão de um perverso estando em uma situação vulnerável. Conclui-se que, diante de uma situação de risco, prevenir-se ao máximo possível demanda serenidade e firmeza mental.


Assertividade e prevenção devem ser armas preciosas. No momento crítico, mente e corpo devem estar preparados à reação, no entanto, prevenir essa hora é a forma menos traumática de sobreviver em um mundo em que um perverso pode estar logo ali, no consultório médico.


 

Palavras-chave: Perversidade. Ameaça. Prevenção. Saúde. Confiança.

 


1        INTRODUÇÃO

 

Recentemente um caso de perversão sexual enojou o Brasil. Um anestesista do Hospital da Mulher, em São João do Meriti, no Rio de Janeiro estuprou uma paciente em pleno procedimento cirúrgico obstétrico. O caso repercutiu de forma intensa e o anestesista foi afastado, outros casos apareceram e um cenário de terror se formou.


Relatos, o vídeo e a perversidade do ato diante da vulnerabilidade da vítima gerou algumas perguntas: Há lugar seguro? Qual o limite para a perversão humana? O que fazer diante de uma situação dessas?


Algumas escolas da psicologia entendem que a perversão sexual é uma busca por uma espécie de ?sobrevivência psíquica?.

Quando analisamos certas manifestações ?patológicas? da sexualidade não nos passa despercebido o quanto elas se revelam ser uma solução encontrada pelo Eu em constituição, tanto para sobreviver psiquicamente, quanto para (tentar) evitar sofrimentos psíquicos insuportáveis (CECCARELLI, 2011, p.136)


Ceccarelli (2011), que estuda a perversão sexual há muitos anos, chega a destacar que entre as diferentes escolas da psicologia há quem diga que o ?perverso? não é analisável pela psicanálise. Enquanto outras destacam que é possível sim, tratar casos de perversão.


O que impressiona é que, no viés Freudiano, que acreditava na ?Evolução?, estamos em um processo de ?domesticação das pulsões? , ou seja, em linhas grosseiras, a evolução humana é um estado de migração dos instintos animais para algo mais ?elevado?.


Não sou especialista em Psicologia, nem quero entrar nessa seara, no entanto, como especialista em segurança e defesa pessoal, uma coisa é perceptível: O ser humano continua tão perverso como sempre.


A única diferença é que a tecnologia, o desenvolvimento industrial e as formas como a sociedade se organiza inibem, e ?acobertam? algumas pulsões animais, e estas, por vezes, aparecem em casos como o absurdo debatido neste artigo.


Por vezes, a perversão humana coloca em xeque a nossa segurança e nos faz enxergar o quanto estamos vulneráveis. Ao nos dirigirmos a um médico, sobretudo em procedimentos cirúrgicos ou invasivos, colocamo-nos nas mãos de um profissional que jurou ?Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados?[1].


O caso do anestesista carioca só evidencia a total perversidade humana e a sua capacidade de descumprir seus juramentos mais sagrados em busca do prazer oriundo das sensações de poder. Há um limite? É possível se prevenir de tais ataques e de tanta perversidade sem entrar em paranoias e desconfianças exacerbadas que podem minar a qualidade de vida e a saúde emocional, e mais, nossa capacidade de confiar?


É sobre essa dificuldade que o artigo de se desdobra. No entanto, para isso é preciso investigar a perversão. Conhecer as vulnerabilidades a que estamos diariamente expostos e saber como agir preventivamente, minimizando riscos e estando prontos para nos defender e a quem amamos, seja de quem ou de que forma for.


2        A relação entre Perversão e Poder.



A psicóloga Pollyana Tavares, em entrevista recente à Gazeta Digital, destacou a relação que existe entre a perversão e o desejo por poder. Nessa relação, o homem, que durante muito tempo viveu sob a égide do domínio do ?mais forte? encontra no poder sobre o outro a sua fonte de prazer perverso.


Assim, ao discutir o caso do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, a Psicóloga declara:

A estrutura de personalidade é a perversão.


Os homens, dentro desta estrutura, vão agir sempre com manipulação, coerção, vão usar do jogo de poder. O poder maior está no poder que tenho sobre o outro. [...]. A perversão não é crime, mas o que a pessoa faz com isso é. [..] O perverso vai procurar o prazer. Antes de tudo, o que ele busca é estar no poder.


É essa busca por domínio e poder é que faz o perverso se arriscar mais. Insistir, mesmo dentro de uma sala cheia de pessoas, de encontrar um modo de exibir sua perversidade e sentir prazer no domínio do outro. É a sensação de dominação e controle que oferece ao pervertido a sensação de prazer.


Por isso, a maioria dos perversos não esboça reação ou são covardes quando confrontados diretamente. Enquanto podem exercer poder e domínio estão em um terreno em que se vêem como divinos, detentores da vida e morte.


Quando essa impressão é quebrada pela resistência, força e técnica da ?vítima? ou de alguém em sua defesa, a reação do perverso é se acovardar, ou em desespero se rebaixar a uma posição de vitimização. É assim que pedófilos se dizem vítimas de uma ?doença?, estupradores se justificam culpando as vítimas por sua conduta e agressores de mulheres dizem ter sido ?provocados?.


Ao final, o jogo de poder continua, mas em um campo mental de persuasão e dissimulação. Por isso, um Caveira precisa não somente ser forte na técnica ou na capacidade de reação, mas também na blindagem da mente contra a manipulação e a retórica falaciosa dos perversos. É saber não ser dominado, também no campo de batalha da mente.


3        Entre a maldade e a vulnerabilidade humana: Prevenção e impotência.

 


O Neuropsicanalista Renato Lisboa destaca algo importante sobre o caso do anestesista estuprador. A psicopatia tem se tornado cada vez menos rara, e os distúrbios, perversões tem encontrado lugar em um mundo movimentado, conectado e cheio de modos de esconder, maquiar e dissimular uma natureza perversa.


Como destaca o Neuropsicanalista: ?Fato é que tanto a perversão como a psicopatia deixaram de ser aspectos raros, e hoje muitos portadores destas personalidades passam em processos de recrutamento malfeitos e malconduzidos pelo país.?


Lisboa (2022) chama a atenção para como a gestão de recursos humanos pode ser crucial na contratação de profissionais, para além do preenchimento das exigências técnicas. A prevenção em segurança não deve só estar em cada um de nós como indivíduos pertencentes à comunidade, mas também a empresas e departamentos de recrutamento e seleção.


Cada vez mais a expertise em encontrar um bom candidato a uma vaga de emprego, e, mais que isso, um bom caráter para um cargo empresarial tem sido crucial para a segurança do nome, reputação e desenvolvimento das instituições, sejam de saúde, comércio, indústria ou governamentais.


Talvez o anestesista saísse impune se não houvesse um grupo de enfermeiras que desconfiasse. As pessoas tendem a fechar os olhos para loucuras que, diariamente, acontecem. Uma mentalidade caveira é aquela que se mantém em estado de alerta progressivo à medida que coisas, fatos ou pessoas destoam do considerado ?normal? ou ?natural?.


Assim, logo na primeira cirurgia, de três que o médico participou no dia, as enfermeiras notaram o esdrúxulo modo de ocultar a vítima dos olhares dos outros participantes do procedimento.


         Como enfermeiras, as profissionais desconfiaram de que algo não estava certo e providenciaram que outra sala, onde poderiam filmar o médico de uma posição privilegiada e oculta, fosse preparada para a cirurgia. O vídeo de 10 minutos chocou a todos e revelou a vulnerabilidade e risco a que todas as pacientes deste perverso foram submetidas.


A vítima agora deseja processar o Hospital. Apesar de estar inconsciente no momento da agressão, a sensação de impotência, nojo e revolta destroem a estabilidade emocional de quem estava passando por um momento que deveria ser recordado como mágico e prazeroso (o nascimento do filho) e se tornou uma lembrança de horror e asco.


Infelizmente não é o único caso no Brasil de estupro de vulnerável, estelionato sexual (violação sexual mediante fraude). Vários médicos já foram processados por ultrapassar os limites da conduta médica. Neste campo de uso da confiança depositada pelo paciente ou usuário de um serviço, para fins libidinosos ou violação sexual, a prevenção é a única maneira, diante da vulnerabilidade do paciente.


Dicas importantes são: 1) Conheça o profissional. 2) Não se acanhe em questionar o que achar estranho ou não-natural em relação a um atendimento ou serviço. 3) jamais deixe que te toquem sem a explicação necessária acerca do que se trata o procedimento. 4) Busque saber qual a medicação será aplicada e entenda previamente os efeitos que ela causará.


Independentemente se o atendimento é público ou privado, o paciente ou usuário de serviços de saúde tem o direito de serem informados dos procedimentos a que serão ou estão sendo submetidos. Caso suspeite de algo estranho, se informe, denuncie, questione, notifique uma autoridade e peça investigação. Há canais para denúncias identificadas, anônimas ou sigilosas em vários órgãos governamentais, de Delegacias, ONGs e Institutos e Ministério Público.


Em caso de insegurança, sempre peça para alguém acompanhar você no procedimento ou consulta. Se acaso for impedido ou impedida, seja sincero e diga de forma assertiva que, por protocolo de segurança, você prefere um acompanhante. Caso ainda assim, haja insistência injustificadas, não se submeta a qualquer procedimento invasivo.


Em caso de assédio, já destacamos por diversas vezes a necessidade do conhecimento em defesa pessoal, principalmente para mulheres e pessoas mais vulneráveis a ataques. No jogo de poder e dominação, é preciso buscar sempre sair do papel de vítima em potencial e passar a ser responsável pela própria segurança. Não subestime a perversidade humana e saiba que, para impedir alguém violento ou cruel, talvez seja preciso ser mais violento e cruel que o inimigo.       


4        CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este artigo tratou da questão da perversidade humana. Utilizando o exemplo do mais recente caso de perversão sexual criminosa, é possível verificar que a busca por prazer também é uma busca por poder e dominação.


Os perversos buscam aproveitar-se da vulnerabilidade e confiança das vítimas. Pessoas e empresas precisam se preocupar cada vez mais com as pessoas que selecionam para seus quadros, percebendo que as qualidades técnicas são treináveis, mas caráter vem de berço.

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Por isso, a prevenção ainda continua sendo o antídoto mais propício. Mesmo assim, há sempre o risco de deparar com situações em papel de vulnerabilidade. Nesse instante, além da necessidade do conhecimento da reação apropriada, na proporção que cesse a ameaça, é preciso ter os cuidados para antecipar o jogo de dissimulação e covardia, sendo possível atravessar um momento crítico como um verdadeiro caveira, em mente e corpo. Shalom!


5        REFERÊNCIAS

BACHEGA, Jessica. Perversão, controle e impunidade estimulam estupradores. 17. Jul. 2022. Disponivel em: https://www.gazetadigital.com.br/colunas-e-opiniao/entrevista-da-semana/perverso-controle-e-impunidade-estimulam-estupradores/699408. Acesso em 20.jul.2022.

CECCARELLI, Paulo Roberto. As possíveis leituras da perversão. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n. 36, p. 135-148, dez. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372011000300013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 19 jul. 2022.

CREMESP ? Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Juramento de Hipócrates. Disponivel em: https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3. Acesso em 19. Jul.2022.

ISTOÉDINHEIRO. Confira como foi a operação para desmascarar o anestesista preso no RJ. 13.Jul.2022.Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/confira-como-foi-a-operacao-para-desmascarar-o-anestesista-preso-no-rj/. Acesso em 20.Jul.2022.

LISBOA, Renata. Perversão ou psicopatia: faltou alerta para o anestesista estuprador? 14.Jul.2022. Disponível em: https://portalhospitaisbrasil.com.br/artigo-perversao-ou-psicopatia-faltou-alerta-para-o-anestesista-estuprador/. Acesso em 20.Jul.2022.


[1] Juramento de Hipócrates (Medicina).