SNDROME DE HAGRID:
Por que o ?mal? atrai tanto?
Wesley Gimenez
RESUMO
Este artigo discute um fenmeno crescente: a suavizao do mal. Reflete-se sobre como a sociedade tem relativizado a conduta criminosa, ao ponto de inserir gradativamente em sua cultura um peculiar relativismo que pende para a romantizao do mal.
O bandido passa a ser tratado como vtima e a vtima se torna o smbolo da opresso e do abuso de privilgios. A psicologia tenta explicar o porqu dessa atrao pelo ?lado negro da fora?, e pouco se conseguiu em resultado. A bvia percepo de que o mal existe e deve ser combatido j no mais uma opo ?moderna?.
Tudo passa a ser uma questo de ponto de vista. Conclui-se que essa alienao geral e a atual bandidolatria implica em assumir grandes responsabilidades e consequncias ao enfrentar uma crise ou um perigo. Pode ser que voc esteja vendo um bandido e todo mundo em volta j esteja apaixonado por ele antes de se preocupar com voc.
Palavras-chave: diabo. Mal. Crime. Romantizao. Sociedade.
Algumas situaes causam mais espanto do que outras. O ser humano uma ?caixinha de surpresas? e pouco se sabe sobre o seu limite para o bem ou para o mal. Einstein disse uma vez: ?Duas coisas so infinitas: o universo e a estupidez humana, apenas com relao ao universo no adquiri a certeza absoluta?.
Uma dessas situaes a crescente simpatia que se tem pelo ?bom bandido?, uma espcie de ?idolatria ao anti-heri? que, cada dia mais tenta suavizar crimes e criminosos, fazendo-os, desde a poca de Foucault, uma ?vtima da sociedade?. Agora, tal suavizao no suficiente e se enaltece o crime como uma forma de ?resposta? crueldade dos ?opressores capitalistas?.
A questo no mais poltica ou relacionada a direitos humanos, e sim, uma questo cultural, sociolgica, em que gradativamente se busca suavizar a ideia de um mal existente, latente, intrnseco, e que deve ser combatido e no somente transformado. Os recentes filmes/documentrios acerca de Elise Matsunaga e Suzane Von Richthofen demonstram isso. H uma suavizao, uma tentativa de minimizar, o crime, focando no mais na vtima (j que essa nada pode fazer) e sim na triste realidade ou vida do assassino.
Dessa forma, focando em uma simpatia figura do bandido, a bruxa no to bruxa, apenas a incompreendida malvola. O diabo no to diabo assim, apenas um filho rebelde de um pai (Deus) opressor e narcisista. A princesa no to boa assim, uma patricinha opressora que usa sua riqueza para desprezar o pobre rejeitado que no tem outra maneira de ser notado a no ser pela demonstrao de sua indignao em forma de atos de crueldade. A m da histria a princesa que no ?humana? e ?emptica? o suficiente.
Talvez um dos mais emblemticos personagens e a quem atribuo o ttulo deste artigo o meio-gigante Rbio Hagrid, de Harry Potter. Na clssica histria de J.K Rowling, o bonacho Hagrid tem uma predileo estranha: animais e monstros perigosos. A fim de proteger seus ?amigos incompreendidos? ele coloca em risco, por diversas vezes, no s a sua prpria vida, como tambm a de Harry e seus amigos.
Toda essa predileo de Hagrid por animais terrveis justificada por uma espcie de apego e minimizao do mal intrnseco desses animais. Eles so to vtimas quanto qualquer um, afinal. Da mesma sorte, o apego ao mal do ser humano tenta relativizar o vilo, retirando um motivo para sua crueldade. No fim, a ovelha acaricia o lobo mesmo enquanto devorada por ele.
Um dos casos famosos de crueldade o de Francisco de Assis Pereira., o famoso ?Manaco do Parque?[1]. Seu ardil envolvia mulheres com uma conversa hbil (j que pela aparncia seria improvvel a seduo) e as conduziam a locais ermos, onde eram convencidas a tirar fotos provocantes, antes de serem cruelmente assassinadas. Francisco foi condenado a 285 anos por 10 mortes e 11 ataques de cunho sexual[2].
[1] BRESSER, 2014
[1] BERTOLOTTO, 2021.
Mesmo assim, na dcada de 90 recebeu milhares de cartas de mulheres interessadas em conhec-lo e dizendo-se apaixonadas pelo bandido. So mulheres comuns, que escreviam frases como ?Eu durmo sozinha e querendo voc aqui? ou ?[...] quero dizer que te desejo todas as noites?[3] dedicadas ao bandido.
Guilmar Rodrigues, jornalista e roteirista afirma que o fato estudado por psiclogos e que quanto mais brbaro o crime, mais admiradoras o bandido encontra. Segundo o entendimento de Rodrigues, exposto em uma entrevista revista poca: ? uma simbiose de marginalizados. Essas mulheres veem o criminoso sexual como um igual?.
Da mesma forma, o ?gal do presdio? de Goinia, Thiago Henrique Gomes da Rocha, que matou 39 pessoas recebe mais de mil cartas mensais de admiradoras ou Marcos Antunes Trigueiro, que mesmo depois de estuprar e matar 5 mulheres em Minas Gerais continua a receber semanalmente a visita de sua esposa, que ?no considerou os crimes como traio?[4].
Thiago e Marcos so apenas exemplos dentre vrios de uma lista extensa, que rene personagens famosos como o Charles Manson, famoso psicopata americano (morreu em 2017) e que assassinou a esposa de Roman Polanski, Sharon Tate, no oitavo ms de Gestao.[5]
Essa preferncia, romntica em excesso, por psicopatas e serial Killers esconde o que h de sombrio na natureza humana, e se revela como uma ?forma de amor?, doentia, na minha opinio, mas mais que isso, letal para a cultura e a sociedade como um todo, que relativiza e romantiza seres prfidos e cruis e coloca sob a sociedade e cada um de ns, um ?mea culpa? forado, invertendo as posies de bom e mau, certo e errado, justo e injusto.
[1] PAULOPES, 2009
[1] BERTOLOTTO, 2021.
[1] BRESSER, 2014
A srie ?Lucifer? da Netflix, trouxe s telas uma romantizao do prprio diabo[6]. Nesta, o grande inimigo da humanidade[7] auxilia na resoluo de crimes, um gal sedutor e engraado e se tornou at uma espcie de ?Sex Simbol?. O fato de ser o ?diabo? irrelevante para uma sociedade que aprendeu a amar viles.
Seria exagero? Julgar estranho como se desconstroem cones heroicos em favor de uma ?humanizao? dos heris e se relativizam os viles, sob o mesmo argumento, criando heris corruptos e viles sensveis?
Oferecer tanto ?depende? para crianas e jovens no pode gerar temor? Ser que o ?mal? apenas um ponto de vista? Afinal, no por esse pensamento cada vez mais relativizado que se busca, hoje, ver como ?normal? o uso de entorpecentes em praa pblica, o desejo sexual por crianas e crimes como roubo, furto e corrupo?
O que vir depois? Talvez um ?A origem de Hitler? tentando minimizar a crueldade do ditador alemo? A reedio de ?Mein Kampf? com comentrios minimizadores e explicativos? Ser que vo transformar Stalin e Mussolini em meros doentes que tiveram infncia difcil e falta de oportunidades?
Nesses tempos sombrios em que at o diabo ficou charmoso, necessrio perceber o quanto importante saber se defender. Afinal, pode ser que um dia, a escolha no seja entre viver ou morrer, mas entre ser preso por reagir a uma agresso contra uma ?vtima da sociedade? ou morrer de forma cruel na mo desse ?diabinho charmoso?.
O maior problema de se encarar tudo como uma questo de ?ponto de vista? a alienao a que se submete a fim de tentar justificar o bvio. No uma questo de dualismo ou de maniquesmo[8]. Sabemos que o pior assassino tem me, e o mais santo dos homens tambm peca.
A questo est em como a sociedade encara o que mal e o que bom, o que justo e o que injusto. Em como se defende privilgios ditos ?humanos? a bandidos e se nega o bsico da assistncia aos pobres e necessitados. Como se briga e luta por comida de qualidade a presidirios (no sou contra, apenas mostrando a discrepncia) e se aceita como efeito colateral a existncia de pessoas que se alimentam do lixo e de sobras.
Talvez a necessidade de Deus seja maior agora do que no passado. Esto tirando seu trono e oferecendo-o ao diabo, tudo em nome de um ponto de vista diferente.
[1] NUNES, 2020.
[1] BIBLIA, I Pedro 5,8
[1] qualquer viso do mundo que o divide em poderes opostos e incompatveis.
Este artigo buscou discutir a relao da sociedade com o mal. A relativizao do crime e do bandido, a quase idolatria ao ?bom bandido? e a romantizao que nega o fato em favor da pessoa ?desumanizada? e colocada em um pedestal de ?amor incondicional? gera muita discusso e passvel de muita reflexo futura.
A implicao para a defesa pessoal est no modo como encaramos as situaes em que se forado a agir. Sob a proposta miditica da romantizao do bandido est a proposta da passividade, da quase simpatia ao criminoso.
Nesse sentido, a vtima vai se tornando cada vez mais vtima, vestindo uma pele de culpa, aceitando a violncia como responsabilidade sua, j que um privilegiado enquanto o pobre bandido apenas um ?efeito colateral? da maldosa sociedade da qual fao parte. Reagir ser igual, sem corao e humanidade.
Carregar o peso da possvel consequncia de uma sociedade que idolatra bandidos e que gradativamente relativiza a maldade uma escolha difcil, mas necessria. Fechar os olhos possibilidade de encontrar quem condene a reao violenta e proteja mais o bandido do que a vtima ingenuidade. Na atual conjuntura, essa a estatstica mais provvel.
Deveramos ser mais passivos, por causa dessa probabilidade? Aceitar-se como vtima e embarcar na onda do ?anti-heroi? seria a melhor escolha? Acredito que no. Continuo adepto do velho jargo: ?Prefiro ser julgado por 7, que carregado por 6?. Caveira!
REFERNCIAS
NUNES, Marcela. Lcifer: srie retrata um diabo bonzinho que conquista os telespectadores. 22.Ago.2020. Disponvel em : http://www.joaoalberto.com/2020/08/22/lucifer-serie-retrata-um-diabo-bonzinho-que-conquista-os-telespectadores/. Acesso em 27.dez.2021.
BERTOLOTTO, Rodrigo. F-Clube De Matador. 16.Mar.2021. Disponvel em: https://tab.uol.com.br/edicao/serial-killers/#end-card. Acesso em 28.Dez.2021.
BRESSER, Deborah. Amor bandido: o que leva uma mulher a se apaixonar por um serial killer? 30.nov.2014. Disponvel em: https://entretenimento.r7.com/mulher/amor-bandido-o-que-leva-uma-mulher-a-se-apaixonar-por-um-serial-killer-30112014. Acesso em 29.Dez.2021.
PAULOPES. Livro diz por que mulheres tm desejo pelo Manaco do Parque. 30.Nov.2009. Disponvel em: https://www.paulopes.com.br/2009/11/livro-diz-por-que-mulheres-tem-desejo.html#.YczJfmjMJPY. Acesso em 29.Dez.2021.
[1] BRESSER, 2014
[2] BERTOLOTTO, 2021.
[3] PAULOPES, 2009
[4] BERTOLOTTO, 2021.
[5] BRESSER, 2014
[6] NUNES, 2020.
[7] BIBLIA, I Pedro 5,8
[8] qualquer viso do mundo que o divide em poderes opostos e incompatveis.