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O PODER SECRETO DOS HERÓIS

 

Wesley Gimenez.

 

 

RESUMO.

 

Este artigo discute casos de heroísmo em pessoas comuns diante de situações de risco. Pessoas que, para defender a vida de outra colocam em risco a sua própria e são capazes de proezas dignas das páginas de um livro. O que há por trás da ação heroica dessas pessoas? Como conseguem suplantar o instinto de sobrevivência e se arriscar para defender a outrem? Neste artigo se busca demonstrar que há um elemento comum que une aquele que busca se preparar para as ameaças do cenário de violência urbana e o herói mítico de quadrinhos e animes, além dos heróis da vida real: a vontade.

 

Palavras-chave: Segurança. Heroísmo. Força. Vontade. Treinamento.


 

 

1        INTRODUÇÃO


 

Toda criança sonha em ser um herói. As festas infantis demonstram isso. Elas querem ser superfortes como Superman, rápidas como Flash, inteligente como o Batman, ter um martelo poderoso como o do Thor ou pelo menos ficar grande e verde como o Huck. Meninas também olham suas heroínas favoritas desejando copiá-las em tudo. Mulher Maravilha, Viúva Negra, Batgirl, Jean Grey e Capitã Marvel são ícones femininos no cinema e no imaginário das crianças.


 A questão é que a vida, com sua grosseira realidade, retira esse ideal infantil e o coloca dentro de uma caixa cheia de contas atrasadas e problemas, dos mais diversos. Até que um dia somos demandados a reagir diante de uma situação extrema, e aquele ?superpoder? se manifesta, bloqueando os instintos de autopreservação, superando o medo e o paralisante pânico e transformando pessoas comuns em seres extraordinários, heróis de verdade.


Que ?poder? seria esse? De onde viria? O que levaria uma pessoa comum, sem habilidades ou preparo técnico arriscar a sua própria vida pela dos outros? Por vezes, sequer sendo reconhecido por isso ou mesmo, morrendo no processo. Em setembro se busca a conscientização acerca do suicídio. Dentre os tipos de suicídio existentes, há o chamado ?Suicídio heroico? em que pessoas se entregam à morte a fim de salvar outras. O que conduz essas pessoas a tão arriscada resolução.


E o que arte marcial tem a ver com isso? O que um especialista em defesa pessoal tem a falar sobre heroísmo? É preciso entender que, há um componente que nos une, um ?superpoder? presente no que chamamos de ?Caveira? e no herói que se manifesta nesse momento de perigo iminente. Esse componente é a ?Vontade?.



 

2        O PODER DA VONTADE

 

 

Vários pensadores já se inclinaram sobre esse tema: Aristóteles, Agostinho, Schopenhauer e Nietzsche são só exemplos. Conta-se uma história de dois meninos patinando em um lago gelado. Um deles, o maior, ao chegar a uma área de camada mais fina, sofre uma queda, o gelo racha e ele cai dentro da água gelada. A corrente o pega e rapidamente ele está se debatendo embaixo de uma camada mais grossa de gelo.


O irmão mais novo, em seu desespero, só vê uma saída: pegar um pedaço de gelo e bater com força até abrir um buraco suficiente para o irmão passar e ser salvo. O gelo é grosso, está frio, as mãos são pequenas, mas ao final de muito esforço, o buraco é aberto e o irmão é salvo. Os gritos de socorro e toda a comoção alertam os bombeiros que ao chegarem ao local veem os irmãos abraçados. O chefe dos bombeiros, ao ouvir a história balança a cabeça desacreditando.


?__ é impossível que essas mãos tão pequenas tenham conseguido rachar um gelo tão grosso. Como ele fez isso??. Um dos vizinhos responde ao Bombeiro-Chefe: ?Eu sei!? ? ?Não havia ninguém lá para dizer para ele que aquilo era impossível!


Essa ?parábola? é mais que uma história utilizada por Coachings e palestras motivacionais. Não vou dizer que você deve sair gritando ?Eu posso, eu consigo? diante do espelho. Estou dizendo que tem algo que movia aquele garoto à ação mesmo diante das impossibilidades: a vontade. E não se trata de ?Força de Vontade?, pois ela sozinha não resolve nada, mas sim, daquilo que Agostinho e principalmente Nietzsche chamava de ?Vontade de poder? ou ?vontade de potência?[1].


A vontade de poder, tal como Nietzsche a concebe, não é boa nem má. É um impulso básico encontrado em todos, mas que se expressa de muitas maneiras diferentes. O filósofo e o cientista transformam sua vontade de poder em uma vontade de verdade. Artistas canalizam isso em uma vontade de criar. Os homens de negócios o satisfazem tornando-se ricos (WESTACOTT, 2019).


A vontade não é um sentimento, é uma manifestação do que chamamos de ?Livre-arbítrio?, que envolve não só determinar suas ações, mas também assumir as consequências advindas delas. E é nessa autorresponsabilidade que reside o seu poder. O ?Herói? decide, assumindo os riscos conscientemente, entregar-se com toda sua força a uma atitude que protegerá alguém ou impedirá algum mal. Nesse meio, ele anula alguns dos instintos mais básicos de sobrevivência em prol de um bem maior.


Um herói é alguém que, tendo domínio pleno do que quer é capaz de decidir arriscar-se a fim de proteger a outrem. Ele assume riscos, contudo, de forma inteligente e calculada, utilizando toda sua vontade de potência para um fim determinado. Esse instinto se manifesta no momento em que é demandado, por isso, descobrimos heróis nas horas mais inusitadas. Como quando um menino pequeno consegue retirar alguém de uma morte certa por afogamento e hipotermia utilizando apenas um pedaço de gelo e toda sua vontade de ter o irmão de volta.


Quando um ?caveira? é treinado para sobreviver, sua força reside, não em seus músculos ou na sua habilidade marcial, mas na sua vontade em agir no momento de tensão, em que uma arma está apontada para ele ou para alguém da família, ou quando uma faca está em seu pescoço, ou ainda, quando diversos ?vilões? se juntam para agredi-lo ou alguém que ele ama. Por vezes, fugir não é mais uma opção, e é preciso tomar uma decisão. É quando o herói e o artista marcial se juntam, e assumem o risco a fim de alcançar a sobrevivência e proteger quem amam, utilizando todos os recursos à mão para isso.


No dia 05 de outubro de 2017, a professor Heley de Abreu Silva Batista[2], passou por cima de seus instintos de autopreservação e entrou em luta corporal com o segurança Damião Soares, mais forte que ela e que buscava incendiar uma escola com várias crianças. Sua atitude resultou na sobrevivência de várias crianças, sendo capaz, inclusive de, em meio a chamas, retirar as crianças pela janela, morrendo em seguida. Heley não tinha formação marcial, contudo, tinha algo dentro de si que a levou a agir mesmo contra as possibilidades. Um instinto de herói.


Nietsche acreditava que uma forma de ?vontade de poder? era a capacidade de se auto-superar, se transcender seu atual estado e encontrar algo que o levasse além. O filósofo acreditava que ?a vontade de poder é controlada e direcionada para o autodomínio e a autotransformação, guiada pelo princípio de que "seu verdadeiro eu não está profundamente dentro de você, mas muito acima de você".[3]


Superar-se, evoluir, ser capaz de agir em momentos extremos, em que os sentidos se turbam e as opções são limitadas, é uma atitude para poucas pessoas, caveiras e heróis. Utilizar todo o poder latente para transformar-se e ser capaz de, no momento necessário, agir com toda sua vontade, tem tudo a ver com defesa pessoal e preparação marcial, mas também é uma característica intrínseca dos heróis.


 


3        COMO POSSO TER SUPERPODERES?


Batman é um exemplo de resiliência. Perdeu os pais em uma tragédia, caiu em uma caverna, mas decidiu tornar seu luto em uma força que ajudasse pessoas em momentos difíceis. Superman perdeu toda sua família e parentesco, foi mandando para um lugar desconhecido e criado por outras pessoas que não eram seus pais em um lugar mais pobre que o seu. Os dois poderiam ter se tornado pessoas fracas, amargas ou até mesmo ruins. Mas, ?decidiram? utilizar e construir habilidades que pudessem proteger as pessoas. Para o Superman foi mais fácil que para o Batman.


Outro ?Herói? que eu cito com frequência vem do anime ?Dragonball?. Goku também perdeu a família, foi criado longe de casa e com diversas limitações. Porém, a vontade de ser mais e melhor, de testar-se e de evoluir como lutador o levou a patamares que só um típico anime japonês pode dimensionar. De qualquer forma, o personagem tem a característica de superar situações limites, utilizando tudo o que tem para salvar outros.


Heróis são assim. Alguns ?possuem? poderes. Outros ?constroem-se?, de forma a possuir algo que possam utilizar. Quando decidimos ser ?caveira?, não buscamos a fama e o dinheiro de um octógono, ou os troféus em uma parede, ou nos exibir na TV e redes sociais. O desejo que nos une a seres míticos como Batman, Superman e Goku, é a vontade de ser mais, de fazer mais e de ser melhor, não só para si, mas para defender e cuidar de quem se ama.


O superpoder do ?caveira? é o mesmo do ?herói?: A vontade. Esse superpoder exerce uma influência sobre quem o detém. Ele faz com que a pessoa se sinta responsável pelo bem da outra. A vontade move o corpo e a mente na direção da sobrevivência, exigindo ação quando a vida ou a segurança está em risco. O corpo, que diante do medo e do risco, ficaria paralisado, é acionado com toda sua energia para a consecução de um propósito.


Dia 23 de setembro de 2021, Uerlisson Lessa[4], funcionário de uma padaria em Porto Velho/RO virou herói ao reagir a um assalto a cadeiradas. O caso chamou a atenção na internet, pelo heroísmo do rapaz. O que poucos sabem é que a reação, tipicamente ?caveira? de Uerlisson tem a ver com a funcionária que estava sendo coagida pelo bandido: era esposa de Uerlisson. Nessa hora, a vontade de proteger quem se ama é maior que o instinto de autopreservação e de toda a ideia do ?nunca reagir?. Arriscando a vida, o jovem expulsou o bandido à cadeiradas.


Nas aulas de Krav Maga, uma caneta, uma cadeira, um martelo, os dentes, qualquer coisa vida arma se for essencial à sobrevivência ou proteção. Apenas um elemento é exigido de quem quer se tornar um caveira. O mesmo que é exigido de quem quer se tornar um herói: vontade.

 

 

4        CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

Este artigo discutiu o poder da vontade. Tanto na formação de um caveira, quanto na evidência de um ato de heroísmo há esse elemento-chave: a vontade. Ela é essencial à ação.

A vontade rompe a barreira das impossibilidades. Ela nos impulsiona a realizar coisas que não faríamos de modo natural. Na vontade reside o poder para mudar situações, impedir ou ajudar pessoas, ser capaz de transforma-se, evoluir. A vontade é que gera a autodisciplina, a capacidade para feitos heroicos.


Muitos heróis são reconhecidos apenas após a morte, geralmente depois de muita coisa realizada. Seu legado fica como incentivo, como impulso a que outros sintam a mesma vontade de lhe seguir o exemplo. O filho vê o pai e quer ser como ele, é seu herói particular. O faixa branca vê o faixa preta e quer seguir o seu exemplo, chegar lá. No final, tudo se resume à vontade, de construir-se no exemplo do pai, no progredir, da faixa branca à preta.


Quando a situação cotidiana apresentar um risco iminente, o preparo de alguém em artes marciais, treinamento ou qualquer outra habilidade construída será um diferencial no sucesso. Com certeza, influencia o resultado da ação. No entanto, o que realmente determina, como um poder secreto latente, pronto para ser usado em uma situação de risco iminente, é a vontade. Eis o poder secreto de todos, caveiras e heróis. Shalom!



REFERÊNCIAS

 

WESTACOTT, Emrys. Nietzsche concepto f the will to power. 24.Set. 2020. Disponivel em: <https://www.thoughtco.com/nietzsches-concept-of-the-will-to-power-2670658#> Acesso em 30 de setembro de 2021.

MALVA, Pamela. Uma luz em meio ao caos: a impressionante saga da professora que salvou a vida de seus alunos. 26.Set.2021. Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/heley-de-abreu-silva-batista-a-professora-que-deu-propria-vida-para-salvar-os-alunos.phtml> Acesso em 29.Set.2021.

QUEIROZ, Beatriz. Funcionário que impediu roubo com cadeirada é eleito funcionário do mês. 26.Set.2021. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/funcionario-que-impediu-roubo-com-cadeirada-e-eleito-funcionario-do-mes> Acesso em 01.Out.2021

[1] WESTACOTT, 2019.

[2] MALVA, 2021.

[3] WESTACOTT, 2019

[4] QUEIROZ, 2021.