builderall

SÓ PARA AMARRAS AS CALÇAS?

O valor e o significado das faixas de graduação marcial.


Wesley Gimenez.



RESUMO


Este artigo discute o valor e significado do sistema de graduação marcial. Realizado por faixas e suas respectivas cores ele serve de motivação, mas mais que isso, traz todo um corpo de significado que vale a pena conhecer. Ser um ?faixa preta? não quer dizer que se acumulou todo o conhecimento necessário.


Não há o que se chama de ?terminar a escola? também nas artes marciais. A vida é um contínuo aprendizado e o tatame reflete a vida. Uma faixa de cor exclusiva do Krav Maga Caveira, destinada ao criador do Método, tem duas cores: Branco e Preto, que destaca um ciclo perpétuo de aprendizado que nunca se encerra.


Um faixa branca é um faixa preta em formação. Um faixa preta é um candidato a faixa branca no próximo ciclo de aprendizado. Assim, a faixa tem uma dupla função: lição de humildade e uma bela forma de segurar as calças.


Palavras-chave: Evolução. Aprendizado. Orgulho. Graduação. Artes Marciais.

 


1        INTRODUÇÃO

 

 

Há um conceito importante na atualidade que tem sido explorado em diversas disciplinas humanas, que é a ideia do ?lifelong learning?, ou ?aprendizagem por toda a vida[1]. Esse conceito nos ensina, literalmente, que ?nunca se deixa de aprender?[2].


Você nunca será completo, muito pelo contrário, como um ser dinâmico, cada indivíduo humano está em evolução ou involução. Como Heráclito, pai da dialética, 540 anos antes de Cristo, uma vez disse: ?Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou?.[3]


Dessa forma, estamos em uma mudança contínua, aprendendo e reaprendendo. Não existe nada melhor que uma faixa branca, ou seja, a sensação de que se tem algo novo a aprender, e uma nova escala de evolução à frente. É por isso que o pensamento de um verdadeiro faixa preta é a de que a faixa não o define, visto que ela apenas encerra um ciclo e recomeça outro.


Da mesma forma que o conceito de lifelong learning te ensina que nunca se ?termina a escola?, o Krav Maga Caveira ensina que nada se conclui com a faixa preta, na verdade, o verdadeiro ?Caveira? começa a ser ?Caveira? de verdade, ?a partir? da faixa preta. Seu espírito estará finalmente, depois de anos de treino, pronto a compreender que sua evolução será contínua e que ele nunca deixará de ser um faixa branca também.


É por isso que a faixa de graduação te alta relevância até chegar à preta. Depois disso, o amadurecimento o faz ver a faixa como Bruce Lee a enxergava ?Apenas para amarrar as calças?. Esse entendimento também foi expresso por outro mestre, Hélio Gracie, destacando que a faixa é apenas um modo de segurar as calças no lugar.


Bruce Lee consegue ser profundo e dizer a mesma coisa em uma de suas célebres citações:

Antes de estudar arte, um soco para mim era apenas como um soco, um chute apenas como um chute. Depois que estudei a arte, um soco não era mais um soco, um chute não era mais um chute. Agora que compreendi a arte, um soco é apenas como um soco, um chute apenas como um chute.[4]


Quando você inicia nas artes marciais ou de defesa pessoal, as coisas parecem iguais, todo soco é o mesmo soco, todo chute é o mesmo chute. Ao estudar durante um tempo, as percepções mudam e você diferencia os vários tipos de técnicas.


Quando você ?Compreende? finalmente, e isso geralmente acontece na faixa preta, o soco volta a ser só um soco e um chute apenas um chute, um método é só um método, e a técnica é apenas a ferramenta. Quem realmente evolui não é a técnica ou o método, mas o praticante, eu e você.




2        De onde veio a ideia de ?Faixas de Graduação?


A ideia de um sistema escalonado de graduação, que demonstra a evolução do praticante de artes marciais teve início no Século XIX com Jigoro Kano, fundador do Judô que resolveu premiar os seus alunos com um cinto preto, ao invés de um pergaminho de técnicas que era encarado como um certificado.[5]


No início, o sistema de faixas considerava apenas a branca, que simbolizava tanto pureza quanto ?vazio? em conhecimento, e a preta[6], que destacava o desejo do praticante de buscar o ?conhecimento escondido? tanto quanto atestar que se já possuía uma prática considerável na arte marcial.


Apenas em 1935, com o mestre de Judô Mikonosuke Kawaishi é que as outras cores foram introduzidas, cada uma com significados diversos, caminhando da mais clara (Branca) à mais escura (Preta) e destacando o escurecimento, ou aprofundamento da capacidade do aluno dentro da arte marcial. Fez tanto sucesso que outras artes marciais adotaram o sistema no mundo todo.

O Krav Maga especificamente não adotou exatamente o mesmo sistema de cores.


Porém o significado das graduações tinha o mesmo objetivo: destacar ao praticamente que ele estava crescendo e aprendendo. Observe que, quem troca de faixa deve saber que o objetivo não é destacar ?aos outros? que você está crescendo, mas destacar ?a si mesmo?, que o seu esforço te fez evoluir em poder e habilidades.


Dois grandes mitos cercam o conceito de graduação por cores: O primeiro é o de que, quanto maior o nível de faixa, mais forte a pessoa é. Isso não é necessariamente verdade. A graduação demonstra que esta pessoa evoluiu comparando seu ?status quo ante? ou seja, ela cresceu em relação ao seu estado anterior, de técnica e força. A faixa não compara você a outros, mas sim, compara seu estado atual com seu estado anterior. Se você evoluiu, sua faixa escurece.


O segundo mito é o de que a faixa preta é o ?último grau?. No Oriente isso não é tão latente, mas no Ocidente têm-se o costume de acreditar que ao chegar à faixa preta você ?acabou? de aprender. Ledo engano. A faixa preta significa que o seu conhecimento deve buscar o infinito, o insondável, aquilo que seu professor já não pode mais te ensinar em termos de habilidades e técnicas.


Você está sozinho para começar um novo ciclo de aprendizado, que , para você, ainda está obscuro. Quando isso acontecer, você voltará para a faixa branca, ?vazio? e pronto a evoluir em aprendizado.


Assim como destacamos no começo o conceito de ?lifelong learning? no contexto educacional e profissional. Também essa ideia se manifesta nas artes marciais, sobretudo no Krav Maga Caveira. Nosso sistema utiliza todas as cores de graduação originalmente criado por Kano, contudo, ao chegar à faixa preta, o aluno sabe que não terminou de aprender.


Sua evolução será um ciclo perpétuo que sempre o fará eternamente faixa preta e eternamente faixa branca, vazio de si, cheio de vontade de aprender, esvaziando-se do ego e enchendo-se de nova força, nova mentalidade.


É assim que as faixas, inicialmente falando, se tornam algo precioso, desejado, suado, brigado, literalmente um objeto de desejo e admiração. Contudo, conforme o aluno ?estuda? verdadeiramente, ele consegue entender que cada faixa tem um significado e a faixa preta se torna um troféu a ser alcançado.


Enfim, parafraseando Bruce Lee, quando ele ?compreende? o que é uma faixa preta, ela volta a ser apenas um item que segura suas calças. Ele evolui, e percebe que sua luta mais acirrada não é contra oponente algum e sim contra seu maior adversário: ele mesmo.



3        CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este artigo destacou o significado das faixas marciais e sua importância. Seu objetivo foi o de destacar a necessidade de compreensão correta acerca do sistema de graduação, principalmente no que se refere ao Krav Maga Caveira. Alçar cada degrau, receber cada faixa é um destaque que merece ser celebrado, contudo, é preciso manter a humildade de se compreender que aquilo não é um atestado de superioridade à vista dos outros, mas um certificado de evolução para o próprio praticante.


Como um atestado, a faixa é um ?reconhecimento? daquilo que se já é. Dessa forma, um faixa preta já é ?faixa preta? em habilidades, técnica e capacidade, muito tempo antes de receber sua tão sonhada faixa. A graduação e entrega da nova faixa é apenas a percepção do mestre de que realmente ele faz jus à nova classificação.


Ter em mente que cada degrau é apenas o início de um novo ciclo de aprendizado dentro de um corpo infinito de ciclos deve servir de motivação para cada praticante. Não há limites para sua evolução, por que haveria limites para os ciclos de aprendizagem? O final do aprendizado é o limite da capacidade de aprendizado do aluno e não o limite de conhecimento disponível. Shalom!



 

4        REFERÊNCIAS



BEZERRA, Juliana. Heráclito de Éfeso. 2022. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/heraclito/. Acesso em 13.Fev.2022.

FIA. Lifelong learning: Conceito, objetivos, pilares e vantagens. 12.Mar.2021. Disponível em: https://fia.com.br/blog/lifelong-learning/. Acesso em 13.Fev.2022.

FRASES FAMOSAS. Bruce Lee. 2022. Consultado em: https://www.frasesfamosas.com.br/frases-de/bruce-lee/#start-content. Acesso em 14.Fev.2022.

LIRA, Paulo. Você já ouviu falar em lifelong learning? Entenda esse conceito! HSM Management. 2021. Disponível em: https://www.revistahsm.com.br/post/voce-ja-ouviu-falar-em-lifelong-learning-entenda-esse-conceito. Acesso em 13.Fev.2022.

MUNIZ, Paula. A historia das faixas de graduação nas artes marciais. 2016. Disponível em: https://www.oversodoinverso.com.br/a-historia-das-faixas-de-graduacao-nas-artes-marciais/. Acesso em 14.Fev.2022.

SANSON, Rafael. Você Sabe Qual A Origem Do Sistema De Faixas Coloridas Das Artes Marciais? 20.Jun.2015. Disponível em: https://www.megacurioso.com.br/esportes/73038-voce-sabe-qual-a-origem-do-sistema-de-faixas-coloridas-das-artes-marciais.htm. Acesso em 13.Fev.2022.


[1] FIA, 2021.

[2] LIRA, 2021

[3] BEZERRA, 2022.

[4] FRASES FAMOSAS, 2022.

[5] SANSON, 2015

[6] MUNIZ, 2016